DIÁRIOS DE CAMPANHA
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O tempo passa e estamos a ficar algo apreensivos quanto à capacidade de levarmos a cabo todas as actividades planeadas durante a estadia. O chefe da base diz-nos que provavelmente só poderá disponibilizar o contentor a 14 ou 15 de Janeiro, o que nos cria alguma inquietação. De facto o navio deixou a baía e rumou ao estreito de Bransfield para fazer algum trabalho de investigação e recolha de dados e amostras... entretanto os restantes materiais que faltam carregar ficaram no cais e nós só podemos ver e esperar. Na realidade começamos a fazer planos alternativos e a re-calendarizar experiências. A verdade é que a investigação na Antárctica, por melhor planeamento que tenha, requer uma grande dose de flexibilidade e vimos preparados para vários cenários. Vamos ter de aguentar mais uns dias. Entretanto esta manhã aproveitámos o bom tempo para um pequeno passeio pelo intertidal perto do estreito que separa King George Island de Nelson Island. Entre as rochas é possível encotrar várias poças de maré que albergam várias espécies de algas e invertebrados como lapas e anfípodes. Fizemos alguns videos e também procurámos por uma espécie de pequenos peixes antárticos que poderão ser bons modelos para futuras investigações. Estes, da espécie Harpagifer antarcticus, vivem entre as rochas e é necessário vira-las na maré baixa para os encontrar. Pela tarde voltámos a Escudero, desta vez para, com mais tempo, falar com Marcelo Gonzalez, director cientifico do INACh, instituto da Antaractico Chileno, e Luis Vargas, outro conhecido e colaborador, professor na Universidade Austral do Chile, que nos trazia alguns materiais desde Punta Arenas. Discutimos a possibilidade de realizarmos algumas actividades conjuntas nesta época e assistimos à sessão de palestras que ocorrem todas as quintas em Escudero. À noite mais um jantar de cerimónia... agora para dizer adeus aos cientistas que vão embarcar no Xue Long, e com a presença do director geral da campanha Antarctica chinesa... e mais alguns discursos. O navio voltou a meio da manhã e carregou a restante carga. Pode ser um sinal de que podemos finalmente começar a instalar os tanques. Não renegámos o convite para visitar o Xue Long. Este quebra-gelos é enorme, com 167 metros de comprimento e 25 de largura e mais de 8 conveses, funciona como porta-contentores e base de helicóptero, e alberga laboratórios de oceanografia, química marinha, microbiologia, climatologia, entre outros. Realmente um gigante, este dragão das neves, a tradução de Xue Long.
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Ontem o vento soprou forte todo o dia e as actividades decorreram dentro de portas. Aproveitámos para desencaixotar e instalar e calibrar algum do equipamento de laboratório que trouxemos. Estivemos também a verificar se todo o material que havíamos deixado cá no ano anterior e estava em bom estado. Tudo parece em ordem – as bombas, as mangueiras e os tanques, e também a parafernália de laboratório e alguns reagentes. Mas não podemos avançar muito mais pois o cais continua ocupado. Outra fonte de frustação é a dificuldade de comunicar com o exterior. A ligação de internet está extremamente lenta e apenas conseguimos esporadicamente enviar e receber mensagens por WhatsApp. O email, skype, ou mesmo a navegação em sites estão completamente inacessíveis. Talvez seja pela grande quandidade de pessoas a tentar conectar, pois nestes dias, tal como nós, a maior parte dos cientistas chineses espera para começar a trabalhar no campo e no laboratório. Para ajudar, o google, o gmail e o facebook estão interditos. Ao final do dia pudemos caminhar um pouco pela orla junto à base e voilá, eis que encontramos o nosso primeiro pinguim da época. Um gentoo, ou pinguim papua. Segue-se grande sessão fotográfica. Estamos no final da época de reprodução e há uma colónia aqui perto, na Ilha Ardley, pelo que é frequente encontrarmos alguns animais isolados nas praias perto das bases. Com certeza iremos ver mais nos próximos dias. À noite temos o jantar de recepção aos recém-chegados, com apresentação melhorada, iguarias várias e direito a discursos emotivos... em chinês e sem legendas! Hoje passámos a manhã a preparar soluções. Falta-nos algum material, como micropipetas, que deverão chegar no navio espanhol Hespérides, já algo atrasado relativamente ao calendário previsto, e temos de improvisar com recursos low-tech e alguma boa vontade dos cientistas chineses. Durante a tarde tivemos oportunidade de visitar a Vila das Estrelas, a zona habitacional da base Frei da força aerea chilena, e base cientifica chilena de Escudero, na Baía Fildes, a cerca de 2 quilómetros de Great Wall. Mas também aí há demasiada confusão. Está a começar a época para a maior parte dos programas antarticos dos vários países, e Escudero serve como plataforma giratória para muitos investigadores em trânsito assim como apoia e aloja vários que fazem o seu trabalho aqui na península Fildes. Marcelo Gonzalez, um velho conhecido e o actual chefe da base não tem mãos a medir com a quantidade de pessoas e bagagens que chegam e circulam entre aviões e navios – já vimos aterrar o avião da DAP-Antarctic Airlines, os Hercules C-130 chileno e brasileiro e na baía estão ancorados os dois navios brasileiros, Ary Rongel e Comandante Maximiano, o navio chileno Viel, e ainda um navio de investigação fretado e outro de turismo. Falamos rapidamente entre canecas de café e deixamos os detalhes de trabalho e colaborações para outro dia. Fazem-se turnos para jantar na sala de comer e nós voltamos a pé para Great Wall. Eram 11.30 do dia 8 de Janeiro quando aterrámos em King George Island. Percorremos a pé o trajecto entre o avião e o edificio do aeródromo. Para Cármen é a primeira vez na Antárctica mas este ano há muito pouca neve e não está muito frio o que a surpreendeu. À nossa espera estava o chefe da base chinesa, Dr. Chen Bo, com vários carros – afinal connosco chegaram também cerca de trinta chineses. Na base Great Wall fomos distribuídos pelos vários quartos e enquanto esperávamos pelas bagagens foram-nos explicadas as regras de segurança, horários para duches, etc. Cada um é alojado num quarto partilhado. Calham-nos dois geólogos tailandeses, eu fico com o Pitsa e a Cármen com a Tuk. Fizemos uma visita rápida aos vários edifícios – o dormitório, a cozinha e refeitório, o edifício dos geradores, caldeiras, com banhos e ginásio, o laboratório e a estufa onde crescem alguns dos vegetais consumidos na base – impressionante o trabalho do Dr Chen – médico de profissão e jardineiro improvisado da equipa anterior.
Na base reina grande azáfama pois ao largo está o Xue Long, o navio antártico chinês, e quase todos estão envolvidos na descarga de contentores carregados com materiais científicos e de manutenção da base, víveres, etc. Por outro lado, da estação para o navio são transportadas toneladas de ferro-velho que restaram da reconstrução da base. É bom perceber que existe uma grande preocupação em minimizar o impacto ambiental da base e percebemos que é uma tarefa necessária e demorada, mas infelizmente vai atrasar o início dos nossos trabalhos pois o cais onde pretendemos colocar o contentor com os tanques está ocupado por ferros, cabos, gruas, maquinaria pesada, rebocador e barcaças. Antimune de compras em Punta Arenas! Finalmente chegados, banhados, dormidos e alimentados, é hora de complementar o nosso equipamento com alguns materiais que nao era pratico ou economico transportar... precisamos de uma bomba submersivel, tubagens, válvulas e extensões eléctricas. Deixamos o hotel Endurance (por aqui sao muitas as referencias à exloração antárctica e daqui saiu o navio que resgatou a tripulação de Shackleton) e o primeiro passo é tomar um "colectivo" ate a zona comercial. Estes taxis sao carros de quatro portas que funcionam como mini bus para ate 5 passageiros que vao entrando e saindo e cada viagem custa 450 pesos independentemente do destino. Na loja começámos a recolher o material... com o cuidado de verificar se tudo é compatível entre si mas também com as instalações e tomadas eléctricas da base onde vamos ficar... é que depois não há trocas nem substitutos... um euro vale cerca de 705 pesos chilenos e tantos zeros nao ajundam a converter rapidamente os preços. Uma ferramenta multifunções 31 euros... mangueira 21 euros... bomba...255 euros... e vemos também que por estas partes o "canario" esta bem valorizado... Um canario... calculem voces. Com isto e mais alguns tubos e acessórios juntámos outro volume e mais 25 kilos à bagagem... felizmente os representantes do voo da Antarctica Airlines (sim... existe), que opera o voo fretado pelo programa antártico da coreia do sul KOPRI, dizem-nos que não há problema. Compras feitas temos um dia livre em Punta Arenas. É sábado e há alguma azáfama no centro. Punta Arenas estende-se por uma grande área em paralelo ao estreito de Magalhães... aliás, dois portugueses estão na genese da cidade e do seu sucesso. Fernão de Magalhães, indirectamente por descobrir o estreito, e José Nogueira, que dinamizou o comércio e o tráfego marítimo que trouxe prosperidade a esta cidade de emigrantes... aqui a miscelanea de apelidos croatas, escoseses, espanhóis, portugueses, alemães, etc é evidente. Nos nomes das ruas, nos clubes, escolas e ginásios, nas lojas e sobretudo num dos ex-libris da cidade... o cemitério... com os ciprestes cuidadosamente podados e onde cada jazigo foi construido para ultrapassar o anterior na epoca aurea do comercio através do estreito. Hoje, o turismo, o comércio associado, o entreposto pecuario e as actividades associadas a exploracao de combustiveis fósseis sao o motor da economia. Ao fim do dia jantamos num dos restaurantes que ilustra a quantidade de nacionalidades que por aqui passam em busca de locais tao impressionantes como o Parque Nacional das Torres del Paine... um dos locais emblematicos da Patagonia. Jantamos bem e de faca e garfo porque a partir de amanhã será de pauzinhos.
Domingo 8, 7am. Aeroporto... 9am Antarctica aqui vamos nós. Após 12h de espera em Londres e mais 14horas de voo, chegámos finalmente ao Chile. Depois de passar pela alfândega e explicar que todas as nossas caixas cheias com instrumentos, materiais de dissecação e tubos são para investigação e que não somos parte de um grupo de traficantes, seguimos para despachar o material.... e voltarmos a explicar o mesmo no controlo de bagagem para o voo até Punta Arenas, local para a partida de avião que nos leva até à Ilha de Rei Jorge, uma das portas de entrada para a Antártida a partir destes lados do globo. Segue-se mais 12 horas de espera no aeroporto.... e assim, num périplo de quase 48 horas, passamos dos 17 graus de Faro, para os 6 graus de Londres, para os 34 graus de Santiago … e esperam-nos 10º em Punta Arenas. |
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