DIÁRIOS DE CAMPANHA
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Na baía de Ardley, onde se situa a base chilena “Escudero“, que nos acolheu, encontramos também a base russa ”Bellingshausen”. Um pouco afastada desta, num cume, vislumbra-se a encantadora igreja ortodoxa russa da Antártida. Foi construída em 2002 na Rússia, com madeiras de pinho e cedro siberianos, para no ano seguinte ser desmontada e transportada por terra até ao porto de Kaliningrado, e depois por mar até este local. A reconstrução na Antártida levou cerca de dois anos. A igrejinha de madeira está ligada a uma espessa camada de lavas vulcânicas por estruturas de aço que a estabilizam e permitem que resista às tempestades e ventos fortes que aqui se fazem sentir. Foi entretanto também construída uma réplica na cidade de Valday, na Rússia, para que mais pessoas a possam conhecer. Aqui, é uma experiência muito forte visitá-la: um belíssimo exemplo do que é capaz o espírito humano! Dia de serviço à Base, no momento com 40 ocupantes. Dia dedicado à limpeza dos espaços comuns como sala de estar, WC’s, corredores, cozinha. Inclui também a preparação das refeições, servir às mesas, lavar toda a loiça usada e deixar a cozinha limpa para a próxima refeição. Fizeram-nos vários pedidos para cozinharmos comida Portuguesa mas não havia o elemento base da nossa gastronomia, o bacalhau, por isso decidimo-nos por um postre (sobremesa). Lembramos de preparar um pastel de nata. É fácil de fazer e tem ingredientes que podemos encontrar em qualquer cozinha (38 ovos, 2 kg de massa folhada, 1 l de leite e 1 l de natas, 800 g de açúcar e 8 colheres de farinha). A reação foi muito boa e podemos dizer que foi um sucesso, o nosso Pastel de Nata “Antártico”. Foi uma jornada de trabalho longa que começou às 7h00 de manhã e terminou bem depois da meia-noite. Dia 29 arrumamos tudo e saímos da base um dia mais cedo.
O trabalho de campo continua, a maior parte das vezes, na companhia do Pedro Pina e Sandra Heleno que constituem a equipa do Projecto CIRCLAR. A área de estudo preferencial continua a ser a Meseta Norte, que é uma estrutura topográfica bem destacada da morfologia envolvente, apresentando um bordo com uma altitude média de 110m (60m acima das cotas circundantes) (foto 1). Do topo da Meseta as vistas são extensas e belas (foto 2- vista Sul, a partir do topo da Meseta Norte, observando-se muito ao longe os edifícios Chilenos da Península de Fildes (Base Científica, onde nos encontramos, Base da Marinha, Base da Força Aérea e as casas da Vila de las Estrellas), se a visibilidade o permitir (foto 3).
Na baía Collins (onde se encontra a base Uruguaia), no seu bordo Sul, as lavas vulcânicas encontram-se fortemente fracturadas (fracturação predominantemente sub-horizontal), estando essas fracturas preenchidas por material silicioso, sob a forma de jaspe vermelho e verde (foto 10). Na foto 11, é possível observar-se a elevada densidade das fracturas preenchidas. A conjugação da intensa fracturação com a disjunção colunar destas lavas origina uma rede de fracturação tridimensional (foto 12), que com o tempo e a progressão da alteração acabam por formar blocos esféricos (disjunção esferoidal).
Termino com duas observações, de cariz biológico, realizadas no caminho de regresso à nossa casa (temporária) Chilena: a primeira, a observação da minha primeira medusa Antárctica (foto 13), que desconhecia que pudesse habitar em águas tão frias e, a segunda, um afloramento parcialmente coberto pelo líquen Usnea (o líquen ubíquo aqui, na Península de Fildes) (foto 14); esta distribuição assimétrica deve-se ao regime de ventos desta região, que sopra preponderantemente de Norte, pelo que os líquenes só se desenvolvem na face Sul da rocha, a face menos exposta aos ventos. É o ser animal com quem mais interagimos. Existem por todos os cantos da ilha, junto ao litoral, no topo das maiores elevações, à porta das bases científicas… É curiosa e afável, e enquanto estamos a trabalhar no topo da Meseta Norte, onde as há em abundância, aproximam-se bem perto e ali ficam a observar o que fazemos! Se nos demoramos um pouco mais, até sobem o “seu trem de aterragem” e ali ficam, calmamente (foto 1, mas com o trem de aterragem levantado! Mas com crias ou ovos no ninho é melhor ficar ao largo… Ao aproximarmo-nos de um ninho, começa-se por ouvir um piar que onomatopeicamente corresponde a um ah-ah-ah!, logo depois associado a uma sucessão de acções que começa com uma descolagem rápida, um voo com uma rota decidida e directa (foto 2), sem escalas, em direcção a nós, os infractores do seu espaço, terminando com uma aproximação frenética às 12 horas, que traduzido de outro modo, significa que vêm direitinhas às nossas faces. No entanto, mesmo em cima do “objecto” sob ataque, nós, mudam repentinamente a sua direcção de voo, afastando-se…(foto 3) para depois voltar à carga (e sempre com o ah-ah-ah bem claro, bem acima das três-oitavas).
GEOPERM III_#05: Rochas Piroclásticas – alguns aspectos destas rochas na Península de Fildes29/1/2017 Na impossibilidade de andar a seguir os limites das distintas unidades litológicas, não só por questões logísticas mas também, e principalmente, pela estrutura geológica existente na maior parte da região desta península, que é constituída por uma sucessão de escoadas lávicas intercaladas com rochas piroclásticas - fotos 1 e 2, onde são visíveis as referidas intercalações; as escoadas lávicas são mais compactas, com uma matriz mais homogénea, constituindo litologias que são mais resistentes à erosão, ficando em relevo relativamente aos materiais piroclásticos (foto 2); na foto 1, os níveis piroclásticos apresentam tonalidade avermelhada e uma escoada lávica espessa constitui o topo desta pequena elevação. As rochas piroclásticas são rochas volcaniclasticas (este termo é utilizado para descrever qualquer rocha clástica ou depósito gerado através de erupções vulcânicas, não levando em consideração os processos remobilização à superfície que eventualmente possam ter afectado estes materiais) formadas pela acumulação de piroclastos (fragmentos) durante as erupções explosivas (foto 3 ; foto 4). Ocorrem principalmente em magmas de composição intermédia a ácida (valores médios a altos de sílica), mas também podem ser produzidos a partir de magmas básicos, mais ricos em magnésio, normalmente ricos em voláteis (principalmente H2O e CO2). As rochas piroclásticas podem ser classificadas de acordo com a dimensão e abundância dos seus fragmentos- cinzas: <2mm; lapilli: entre 2 e 64mm; blocos e bombas: >64mm). Na foto 5 é possível observar uma espécie de brecha vulcânica constituída por fragmentos de distintas distintas formas e dimensões, mas sempre superiores a 64mm, dispersos numa matriz de lapilli e cinzas. A foto 6 é um detalhe da foto 4, ilustrando a diversidade de dimensões dos piroclastos e evidenciando as diferenças texturais entre os dois níveis piroclásticos. A foto 7 mostra uma pequena sucessão entre níveis mais ricos em blocos e bombas (mais resistentes à erosão), intercalados em bancadas mais espessas onde predominam os lapilli. Nesta pequena sucessão é possível determinar a inclinação das bancadas para NE. Nas fotos 8 e 9, os fragmentos mais grosseiros têm uma forma mais arredondada e encontram-se dispersos, e em relevo, no seio de uma matriz rica em lapilli – é um exemplo típico de um conglomerado vulcânico. Na foto 10 observa-se uma grande variedade nas dimensões e formas dos piroclastos, que por vezes atingem dimensões de 1 metro, constituindo um aglomerado vulcânico. Muitas destas rochas piroclásticas podem ser observadas no extremo Sul da baía onde se encontra a base científica Uruguaia, de nome Artigas (foto 11), junto ao extremo SE do glaciar Collins (foto 12). Nas paredes verticais do Glaciar Collins (foto 13), ou de qualquer outro glaciar, prevalece o Princípio da sobreposição dos estratos, usado no domínio da Estratigrafia, em que numa sucessão de estratos, cada estrato é mais antigo do que aquele que o cobre e mais recente do que aquele que lhe serve de base. Na base dos glaciares é frequentemente observado fragmentos de rochas que foram neles incorporados durante a geração / movimentação dos mesmos (foto 14). Despeço-me com amizade, e com um companheiro atento (Pinguim Gentoo) que também gosta de rochas!!! (foto 15).
Último dia do ano do Macaco para dar início ao ano do Galo, que significa paz e felicidade. Para nós o grande galo é que ainda não temos o equipamento! Mas vamos esquecer isso por agora porque é um dia de festa. Este festival é o mais importante do ano na China, similar à nossa festa de passagem de ano. Entre estes dois dias, os chineses fazem todas as tarefas com muita calma e pouco trabalham, caso contrário há a superstição que o novo ano não vai correr bem. Logo, o nosso dia foi tranquilo e com pouco trabalho, mas o jantar foi especial, com muita variedade de comida e bebidas alcoólicas e, claro está, não podia faltar o karaoke. Um dos hábitos que têm é levantarem-se e irem brindar (gambe em chinês) mesa a mesa ou até mesmo um a um e é uma falta de educação não brindar. Uma das bebidas alcoólicas mais famosas tem 52% de álcool e é feita através de uma planta, que neste momento não sei qual é (também não posso pesquisar porque só temos acesso ao WhatsApp) e que tem semelhanças com o milho, mas, que segundo eles não tem semelhança nenhuma !!!??? Esta bebida tem um sabor e um odor bastante forte e é preciso ter muito cuidado porque senão não se fica em boas condições!!! Não me lembro bem!!!! Relativamente à comida, há de tudo mas o recorrente é o “dumpling”, uma iguaria típica da China, oriundo e muito popular na província Guangdong, segundo nos dizem. É um tipo de massa fina com a dimensão de um rissol e que pode ter vários recheios, nomeadamente carne. Nesta época festiva é muito característico comer-se em grandes quantidades. Durante o jantar estavam sempre a sair quentinhos e quanto mais saíam mais se comiam!! A tarefa de os comer com pauzinhos é que nem sempre é fácil, como se pode ver na imagem!! Outro momento alto é o karaoke! Quase todos cantam mas como tinha maioritariamente músicas em chinês, era difícil nós participarmos. Mas lá nos conseguiram arranjar algumas
músicas em inglês e pudemos cantar... bem, mais ou menos! Apesar da felicidade esta é uma época para estar com a família na China, um pouco como o Natal para nós, e havia nostalgia e saudades no ar!
O trabalho de campo pela Península de Fildes tem decorrido a um ritmo heterogéneo, muito pela culpa das condições meteorológicas que têm condicionado esta região. Já houve dias em que foi impossível sair, e outros em que passámos 10 horas em marcha contínua pela península. Uma semana se passou desde que aqui aterrámos. Nos primeiros dias, voltámos à zona da Meseta Norte, para confirmar alguns limites litológicos que tinham ficado por terminar, aproveitando a substancial diminuição da quantidade de neve que cobre este ano a superfície desta península (foto 1). Verdade seja dita, que essa diminuição da quantidade de neve é muito mais significativa fora da zona da Meseta Norte, mas mesmo assim existem áreas da meseta descobertas que há dois anos atrás estavam inacessíveis (foto 2). Em alguns locais no bordo da meseta, observaram-se “corredores” de alteração (com uma largura até dois metros (foto 3) corresponde ao local onde se encontra o martelo, em que os fragmentos de rocha apresentam uma estrutura planar muito mais penetrativa, comparativamente às rochas envolventes (primeiro plano da foto)), onde a circulação de fluídos terá sido mais intensa, alterando significativamente as lavas vesiculares aflorantes (foto 4). Na periferia da meseta, em que a alteração é mais significativa, os basaltos andesíticos que constituem as escoadas lávicas estão fortemente afectados pela crioclastia (foto 5). Já fora da meseta, na região Sul da península de Fildes, realizámos um trajecto de modo a cortar a estrutura vulcânica segundo uma direcção E-W, ao longo do Valle de Viento (foto 6) e que termina a Este junto à base Chinesa Great Wall (foto 7, Pedro Pina, Sandra Heleno e a base Chinesa ao fundo). Já junto à costa Oeste da meseta, as dúvidas acerca da inclinação das escoadas lávicas ao longo do Vale do Viento são esclarecidas com a observação da inclinação para NE (foto 8- inclinação visível no lado direito da foto, com a existência de um filão a cortar toda a estrutura lávica), favorecendo a hipótese das lavas mais antigas se encontrarem no extremo SW da Península de Fildes (zona entre a Punta Irene e Punta Eberhard, que se pretende amostrar nos próximos dias). As estruturas circulares intrusivas (necks vulcânicos) ressaltam bem na topografia da península (fotos 9 e 10; nesta última, visível um filão radial). Concluo com uma observação não geológica: a zona costeira à base Chilena Julio Escudero (Baía de Ardley) tem sido muito concorrida com icebergs e navios (foto 11). Nota do autor: Devido à constante divagação por historietas, que o autor destes posts (associados ao projecto GEOPERM III) tem vindo a relatar, e dado o atraso que já leva sobre a realidade actual, o autor decidiu viajar no tempo e descrever a actividade de campo que presentemente se encontra a realizar na Península de Fildes. Com o tempo, há a promessa de colmatação da lacuna temporal assim gerada.
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