DIÁRIOS DE CAMPANHA
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Carmen Sousa e Pedro Guerreiro,16 Fevereiro 2017, arquipélago de Palmer, a bordo do navio Hespérides Os dias a bordo do navio têm estado maravilhosos, um sol esplêndido, mar calmo, vento quase ausente e uma temperatura bastante convidativa a sair e contemplar as belas paisagens que se avistam. Na quarta-feira, dia 14, passamos pelo estreito de Gerlache em direção a Palmer. Este é um mar de baleias. Dezenas de baleias de bossas cruzaram o caminho do navio durante as cerca de 10 horas de navegação entre paredes montanhas geladas. Ao fim do dia fundeámos frente à base americana Palmer, no sul da ilha Anvers. Ontem, 15, acompanhámos o Gonçalo Vieira e João Ferreira aos pontos de perfuração e à estação meteorológica que mantêm perto de Palmer. O objectivo é recolher as sondas deixadas em cerca de 10 furos e reparar o anemómetro, e eventualmente voltar a tempo de visitar a base americana. Aqui também se fazem estudos com peixes e seria interessante visitar as instalações e falar com os cientistas sobre temas mais próximos da nossa investigação. Ao mesmo tempo que tentamos ajudar aproveitamos para conhecer e disfrutar a bela vista do glaciar e dos elefantes-marinhos que estao perto. O comandante permitiu algumas horas de trabalho em terra, mas enquanto estávamos na ilha o tempo começou a agravar-se, demasiado vento, e tivemos de voltar, não sem antes sermos perseguidos por um leão-marinho que não nos queria deixar chegar ao material que havíamos deixado em terra... e a visita a Palmer terá de ficar para outra oportunidade. Hoje acordámos rodeados de icebergs e focas. Enquanto a equipa de geólogos e os cientistas do instituto hidrográfico espanhol desceram a terra, nós e alguns membros da tripulação fomos autorizados pelo comandante para uma pequena saída de zodiac para contemplar os gigantes de gelo, os pequenos icebergs onde descansam focas-caranguejeiras, e a colónia de pinguins papua. Mais umas horas de navegação rumo ao norte e é hora de nos despedirmos do meu companheiro de campanha, Pedro Guerreiro, que desembarcou em Yelcho, onde vai permanecer até dia 20 ou 21. Este ano esta base chilena, de Yelcho, vai fechar ainda mais cedo que o previsto, por isso o Pedro tem pouco tempo para as actividades planeadas mas talvez consiga ir no mesmo voo KOPRI que nós (eu, Gonçalo, João e António), de 23 de Fevereiro, da ilha de King George até Punta Arenas. Algumas pessoas questionam o porquê de não ter ido com o Pedro e não fui por várias razões. O plano inicial era regressar dia 3 mas com os atrasos que já foram sendo mencionados tivemos de adiar a minha ida para conseguirmos finalizar as experiências, pois nosso principal objetivo da campanha deste ano seria em Great Wall. Em Yelcho as actividades são exploratórias, para observar as condições para futuras experiências, avaliar que espécies de peixes podem ser encontradas e recolha de amostras em condições não experimentais, não sendo por isso necessário irmos os dois. Por último, como esta base chilena é pequena, não havia inicialmente disponibilidade para alojarem dois investigadores. No entanto devido as alterações de fecho da base, aqui embarcaram 14 chilenos, mais que o previsto, associados a projetos polares do INACH (Instituto Antártico Chileno) e IDEAL (Centro de Investigación Dinámica de Ecosistemas Marinos de Altas Latitudes). No Hespérides, a sala dos investigadores está lotada. A maior parte dos investigadores a bordo aguardam os voos de 22 (voo uruguaio) e 23 de fevereiro (voo coreano). O ambiente contrasta entre a azáfama dos que estão quase a terminar as suas campanhas e a tranquilidade dos que já terminaram. Entre os dias 20 e 21 mais pessoas vão embarcar no navio para os mesmos voos, incluindo o António Correia que está na base búlgara na Ilha Livingston. E começam os preparativos para o regresso!!!
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A campanha de campo de 2017 do projecto CIRCLAR chegou ao fim. E, como é normal (e necessário), é fundamental começar-se por fazer uma avaliação de como ela se desenrolou. De uma maneira geral decorreu bastante bem tendo-se atingindo todos os objectivos que estavam previstos. A utilização do drone foi efectuada na região alvo definida (Meseta Norte da Península de Fildes). Foi coberta praticamente toda a extensão de superfície pré-definida, substituindo alguns dos locais de lançamento (com cobertura excessiva de neve) por outros com maior exposição da superfície (com menores coberturas de neve). Com os processamentos das imagens que fomos fazendo ao longo da campanha enquanto estávamos na base (quase sempre ao fim do dia, mas também durante o dia quando o mau tempo nos prendia lá dentro), foi já possível obter uma aproximação relativamente precisa dos números envolvidos: fizemos um pouco mais de 30 voos em regiões de características variadas e planeamentos distintos (menores alturas para obter mais pormenores da superfície, maiores alturas para cobrir áreas mais amplas, voos cruzados e não cruzados) em que foram captadas quase 5000 imagens com resoluções espaciais entre cerca de 3 mm e 3 cm/pixel ocupando a maior área contígua coberta cerca de 1 km2. E, por causa do mau tempo (‘what else?’), conseguimos somente fazer voos decentes em 5 dos dias das cerca de 2 semanas em que estivemos instalados em Escudero. Pode parecer pouco, mas conhecendo bem o clima desta região Antártica, nós achamos que foi excelente! A tarefa complementar de captar com DGPS as coordenadas precisas dos pontos de controlo marcados com umas pequenas bandeirinhas foi toda realizada num único dia, naturalmente de pior tempo e em que não era possível voar o drone. Por fim, no penúltimo dia, deu ainda para fazer uma pequena apresentação (20 min) sobre o nosso projecto nos seminários das 5as feiras organizados na base Escudero. Estes seminários semanais permitem que os investigadores de várias nacionalidades e de outros programas polares instalados nas várias bases de King George, ou até de outros colegas que estão em trânsito em Escudero, descrevam os seus projectos e actividades. Nesse dia, as apresentações estiveram a cargo de investigadores de nacionalidades portuguesa (eu e o Pedro Ferreira), chilena, alemã, uruguaia e norte-americana. A assistência em termos de nacionalidades era ainda mais variada, permitindo de uma forma relativamente informal discutir os vários temas científicos apresentados. A diversidade de temas científicos apresentados é também muita variada e tanto pode estar relacionada com a atmosfera e as alterações climáticas, a geologia e a paleontologia ou com a biologia marinha e as colónias de pinguins, entre tantas outras possibilidades. E várias vezes alguns resultados são mesmo apresentados em primeiríssima mão! Foi o que também nos aconteceu a nós, em que foi possível mostrar algumas das imagens captadas e alguns dos mosaicos preliminares que já tínhamos conseguido construir nos dias anteriores. Logo a seguir ao fim do seminário, começámos a fazer as malas, limpar e arrumar todo o equipamento e também as coisas pessoais. No dia seguinte, 3 de Fevereiro regressámos a Punta Arenas no Chile num voo fretado pelo KOPRI, Instituto Polar Coreano. Foi também uma oportunidade para conhecermos outros investigadores, mas também para nos reencontramos com colegas conhecidos que, vindos de outras bases e regiões da Antártida, também estavam de regresso a casa. Naturalmente, deu para pôr a conversa em dia, falarmos do que estivemos a fazer e também começar já a discutir por vezes com pormenor a campanha do próximo ano. E por vezes até dos anos seguintes, pois tudo tem de ser discutido e planeado com a devida larga antecedência. O tempo na manhã do regresso estava quase tão bom como no dia em que tínhamos chegado, de céu bem limpo, o que nos permitiu chegar ao Chile à hora programada. Depois foi voltar a Portugal, numa maratona de quase 12 mil quilómetros. Já em Lisboa, eu e a Sandra já definimos com bastante precisão o que iremos fazer com os novos dados trazidos da Antártida e a forma como nos próximos meses os iremos processar e integrar com outros de que já dispúnhamos. Não há tempo a perder, não tarda nada a campanha do próximo ano está já aí à porta. A campanha de trabalho de campo do projecto COSMOBYERS na área livre de gelo da península Byers, oeste da ilha Livingston, tem sido um sucesso do ponto de vista científico. Depois de 17 dias acampados em Byers conseguimos acabar as actividades previstas. Finalmente, colectamos 60 amostras para datações cosmogénicas, 6 amostras para datações C14 e 5 para datações OSL. Também foram feitas mediçoes para datagems relativas (martelo de Schmidt, EQUOTIP) e colectado amostras para a caraterização de tefras volcánicas em moreias e terraços marinhos. A combinação dos diferentes métodos de datagem absolutos e relativos vai permitir conhecer melhor o calendario da deglaciação na peninsula Byers e os processos post-glaciários associados.
A equipa chegou a base espanhola Juan Carlos I no dia 13 a tarde e estará até o dia 21 de Fevereiro. O objetivo vai ser parecido a Byers, mais centrado na procura de superficies rochosas para datações cosmogénicas para conhecer melhor o calendário do retrocesso glaciário na península Hurd. Além disso, o projeto também vai dar apoio a rede de monitorização de permafrost na area da base bulgara. José Xavier, 13 de Fevereiro de 2017, Londres, em viagem de Portugal para a Nova Zelândia Esta época de trabalho de projetos relacionados com a Antártida tem sido a voar. Fazendo as contas: com a co-coordenação da expedição do Mar de Ross e Kerguelen (José Queirós está ainda a bordo de um navio Australiano), a expedição da Geórgia do sul e Frente Polar Antártica (a bordo com José Seco), a coordenação de recolha de amostras da dieta de predadores (particularmente albatrozes, pinguins e lobos marinhos) na Geórgia do Sul, este será o quarto projeto e a última viagem de trabalho relacionado com projetos Antárticos deste ano. E valerá a pena!
Esta será a terceira ida à Nova Zelândia (depois de 2013 e 2014), para colaborar com os meus colegas do National Institute of Water and Atmospheric Research (NIWA), particularmente David Thompson, na bonita cidade de Wellington. Novamente ouvi as mesmas frases: “Mas a Nova Zelândia fica do outro lado do mundo, não fica?”, “Eu também quero ir!” e “Tu não páras um minuto no mesmo sítio!”. E se fizermos um buraco no chão, iríamos ter à Nova Zelândia, como a dizer que não poderia ir mais longe de Portugal. Pois é... e isso vê-se no tempo que demora a lá chegar. A viagem de avião, de Portugal a Nova Zelândia, demorará mais de 2 dias (partida às 10.40 da manhã de dia 8 de Fevereiro 2017 com chegada às 11 da noite do dia 10 de Janeiro; são 13 horas de diferença em fuso horário, com a Nova Zelândia com + 13 horas que em Portugal). O avião partiu a horas de Lisboa e estou-vos a escrever de Londres (Heathrow Airport). Depois vou para Singapura, Sidney e finalmente Wellington, a capital da Nova Zelândia. Sim, deverei chegar bastante cansado... mas com o sorriso de sempre. Já vos consigo ouvir a perguntar: “e o que vais lá fazer?” Bem, o programa Antártico Neozelandês é muito forte e possui excelentes equipas a trabalhar na Antártida (a Catarina Magalhães também trabalha com o programa polar Neozelandês), logicamente devido à sua proximidade deste continente. Eu vou estudar os bicos das lulas e polvos (peçam lulas grelhadas e vejam a sua “boca”, lá encontram “dentes” semelhantes aos picos de papagaio) que que os albatrozes (Diomedea antipodensis e Diomedea gibsoni) da Nova Zelândia se alimentam. Como estes albatrozes cobrem enormes áreas do Oceano Antártico, e águas adjacentes em redor da Nova Zelândia, à procura de alimento (incluindo muitas espécies de lulas), nada melhor que estudar as suas dietas. Estes dados são a parte do puzzle que falta, após o nosso estudo publicado anteriormente (Xavier, Walker, Elliot, Cherel, Thompson (2014) 'Cephalopod fauna of South Pacific waters: new information from breeding New Zealand wandering albatrosses'. Marine Ecology Progress Series 513:131-142). Como cereja no topo do bolo, vou estar com o José Queirós (cientista polar, e também meu estudante de Mestrado da Universidade de Coimbra) no laboratório com Darren Stevens (NIWA) a analisar as suas amostras trazidas do Mar de Ross e de Kerguelen, após a sua expedição desde Novembro 2016. O nosso projeto CEPH 2017, envolve instituições de Portugal, Nova Zelândia, Reino Unido e França, com o apoio do programa polar português PROPOLAR, e estará a decorrer até ao fim de Março 2017! Até lá, muitas aventuras para vos contar e muito trabalho no laboratório...com um grande sorriso! Ontem foi o dia de nos despedirmos da base chinesa e de entrarmos a bordo do navio Hesperides. A mim espera-me 12 dias a bordo até regressar a Punta Arenas e ao Pedro 6 dias até chegar à estação em Yelcho. Esperamos na praia. O navio está algures no nevoeiro e vir-nos-ão buscar de zodiac o que acontece ao fim de meia hora. Os chilenos ajudam-nos a colocar tudo no bote e ai vamos rapidamente – temos amostras para guardar nos congeladores! O “Hesperides” já não é novo (1991), mas está bem remodelado e cuidado. O navio está dividido entre as áreas de trabalho da marinha espanhola e os camarotes entre os tripulantes da marinha e os cientistas. O tipo de alimentação é muito similar ao nosso e, passado aproximadamente um mês da nossa chegada à Antártida, voltamos a usar talheres durante as refeições. Os camarotes estão lotados e a noite passada tivemos que dormir num saco cama no chão. Para nossa sorte, o tempo tem estado calmo apesar do nevoeiro intenso! O percurso que nos espera é ilha Livingston, onde desce o António Correia (projeto PERMATOMO) que fica na base Bulgara, depois peninsula Byers, também na ilha Livingston (onde deverão subir os 3 colegas do projeto CRONOBYERS), e em seguida para a ilha Deception (base espanhola Gabriel de Castilla). Depois rumamos a sul pelo estreito de Gerlache em direcção à base americana Palmer (ilha Anvers), depois mais a sul e subimos para a base chilena Yelcho na ilha Doumer, onde devemos chegar a 17 e recolher 10 cientistas chilenos. Daí começaremos a subir junto à Peninsula Antarctica parando em Cierva e noutros pontos de amostragem no regresso (mais rápido) até Fildes, na Ilha Rei Jorge onde se encontra o aeroporto que opera os voos para Punta Arenas, enquanto que o navio volta a descer. O seu destino final antes de voltar a Espanha, é Ushuaia (Argentina) para onde deve seguir só a 14 de Março.
Carolina Sá, 10 Fev 2017,
a bordo do Navio da Marinha Brasileira Almirante Maximiano (clique para ver a localização) NOTA: As ações desta campanha integram-se nos Apoios a Jovens Investigadores Polares
O projeto INTERações BIOlógicas em ecossisTemas marinhos próximos à Península Antártica sob diferentes impactos de câmbios climáticos (INTERBIOTA), liderado por investigadores da Universidade Federal do Rio Grande (FURG), no âmbito do Programa Antártico brasileiro (PROANTAR), conta já com 6 campanhas de amostragem na região da
Península Antártica. O projeto pretende desenvolver estudos que integrem todos os níveis da cadeia trófica nesta região, envolvendo várias equipas de investigação (nacionais e internacionais), tendo em vista a avaliação da resiliência deste ecossistema numa perspetiva de alterações climáticas. Nesta sétima campanha do INTERBIOTA, com carácter multidisciplinar, vão estar embarcados investigadores de diferentes áreas da oceanografia, incluindo as componentes físico-química (por ex.: fluxos de carbono), e biológica (por ex.: fitoplâncton, onde estou integrada, zooplâncton e cetáceos). Para além da participação na amostragem, a minha contribuição para o projeto prevê a inclusão da componente da cor do oceano (imagens de satélite) na análise integrada dos dados obtidos durante as diferentes campanhas. Todo o material necessário para a campanha seguiu a bordo do navio polar Almirante Maximiano, da Marinha Brasileira, no início de Outubro de 2016, e os últimos detalhes da campanha foram discutidos numa reunião a 3 de Fevereiro 2017, nas instalações da FURG. A Marinha Brasileira trata de toda a complexa logística operacional, que envolve voos de apoio da Força Aérea Brasileira (FAB) desde o Brasil até à base aérea chilena de Frey, na ilha King George. A equipa chegou a Punta Arenas, Chile, no 5ºVoo de Apoio Antártico no domingo dia 5 de Fevereiro a bordo de um Hércules C-130 da FAB, após um voo de 6 horas com origem em Pelotas, Brasil. A equipa de 24 investigadores embarcou no dia 6 no navio Almirante Maximiano, que permaneceu 3 dias no porto para descanso da tripulação. No dia 9, às 16h locais, largou em direção a Sul! A campanha tem a duração prevista de um mês, com regresso marcado para o 6º voo de apoio da FAB (previsto para 6 de Março), desta vez a partir da base aérea chilena de Frey, na Antártida, uma vez que o navio seguirá rumo a Rio Grande, Brasil, onde chegará apenas no final de Março. A minha primeira experiência Antártica tem sido muito enriquecedora tanto a nível pessoal como profissional. É um enorme privilégio para mim poder participar nesta missão, formando equipa com Gonçalo Vieira, um “veterano” nestas aventuras, que possui um enorme conhecimento teórico e pratico destes assuntos e que ao longo destes últimos dias me tem sabido transmitir alguma da sua experiência. Agradeço a sua paciência comigo, porque a assimilação de determinados pormenores não é fácil para quem vem pela primeira vez para estas latitudes. O stress é elevado de início, mas vai diminuindo ao longo do tempo. Apos uma longa viagem desde Lisboa, chegámos a Punta Arenas no Chile, onde vi pela primeira vez o navio Hespérides que nos havia de transportar desde as terras de Magalhães ao Continente gelado atravessando o Estreito de Drake. Ao ver o Hespérides fiquei um pouco mais tranquilo, porque me pareceu um bom navio e um dos meus maiores receios era a travessia do famoso Drake. As minhas experiencias mais radicais de navegação marítima eram, ate então, a travessia do Mediterrâneo entre Algeciras e Ceuta e muita experiencia de cacilheiro. Uma travessia com uma duração de 3 dias e com ondas que poderiam ultrapassar os 9 metros, era, para mim, um autentico Adamastor. Iniciei a viagem num mar de cristal ao longo do estreito de Magalhães em direção a oeste, o que deu algum tempo para o meu organismo se começar a adaptar. Ao entrar no Oceano Pacifico tive o meu primeiro contacto com ondulação e percebi que tinha que me agarrar aos corrimões do navio de vez em quando. No entanto, pouco depois entramos no canal Beagle rumo a leste e a calmaria voltou. Nessa noite descansei bem.
Na manha seguinte quando acordei, tínhamos passado Ushuaia na Argentina, a cidade mais ao Sul do mundo e a estibordo via-se Porto Williams no Chile, a pequena localidade com população permanente mais ao sul do mundo. Pensar isso aumentou os meus níveis de adrenalina pois sabia que a partir dai ficaria muito mais exposto as forcas da natureza e muito mais dependente de terceiros. Mas, paradoxalmente, também me induziu uma estranha sensação de liberdade. E nesse dia entramos no Drake… Antecipadamente tinha consultado a previsão do estado do mar que apontava para ondas com 5 metros de altura significativa, o que para os entendidos e habituados ‘lobos do mar’ equivale a um Drake ‘quase chão’. À hora de almoço, o meu estomago começou a achar que precisava de ajuda e de forma polida e profilática pediu-me 2 comprimidos contra o enjoo que foram suficientes para o resto da viagem. Se o estomago não protestou mais, as 2 noites seguintes foram complicadas para conseguir dormir, devido aos constantes abanões laterais que este navio sofre em mar aberto. Mas curiosamente, embora com poucas horas de sono, nunca me senti muito cansado. O mito do Drake foi ultrapassado de uma forma relativamente fácil, mas tenho a noção que a prova não foi suficientemente dura… Ondas de 9 metros devem ser muito assustadoras neste navio com calado reduzido face a altura das superestruturas (parte do navio acima da linha de agua). Neste ultimo comentário devem ter percebido que os 3 dias de Drake serviram para aprender alguma coisa de construção naval… Entre ontem e hoje estivemos a arrumar e a fazer o inventário de todo os materiais e reagentes que transportamos ou que deixamos armazenados em Great Wall. Muitos destes materiais poderão ser utilizados em futuras campanhas. O transporte de equipamentos para a Antarctica é complicado e assim sabemos exactamente o que pode fazer falta e o que fica. É importante deixar registado não só as quantidades e o estado de conservação mas também onde ficam arrumados, pois juntamente com as nossas coisas existem centenas de outras caixas na cave da base, e muitas serão ainda realojadas ou reacondicinadas depois do fecho da época.
Entretanto fomos convidados para apresentar a nossa investigação na base chilena Escudero, que organiza sessões de seminários todas as quintas-feiras. Outras palestras descrevem o impacto dos humanos nas colonias de petréis gigantes, avaliados por investigadores alemães alojados na base russa Bellingshausen ou os projectos acerca dos ecossistemas nas altas latitudes desenvolvidos pelas universidades chilenas. Também em Great Wall devemos dar um seminário, este com tradução simultânea do inglês ao chinês. Falamos sobre o que fazemos mas também das particularidades dos peixes Antárcticos, mas não sabemos o que realmente foi transmitido. Foi também altura para agradecer a todos os membros da 33ª Chinese Antarctic Research Expedition a ajuda que nos deram para realizarmos as experiencias, a hospitalidade e a alimentação de 1ª classe do Chef. E deixamos ao chefe, Chen Bo, os cumprimentos do Propolar. À noite temos o jantar de despedida. Um rancho melhorado em nossa honra regado com vinho do Porto que haviamos trazido. Gambé!!! Há 3 dias atrás começamos as amostragens finais, após feitas as injeções com um estimulante do sistema imunitário e exposição ao aumento de temperatura. Estes 4 dias foram bem trabalhosos e exigentes devido ao número de peixes em que tivemos de recolher amostras e o tempo reduzido. Alguns imprevistos obrigaram-nos a atrasar o início dos trabalhos e acumulámos muitas coisas, mas as experiências correram bem e conseguimos obter as amostras desejadas e planeadas. Hoje terminámos e agora fica a faltar colocar as amostras no navio oceanográfico espanhol “Hesperides” que as levará até Cartagena onde depois as iremos buscar até Portugal. Dias a amostrar e noites a rotular tubos para as amostras do dia seguinte. E algum exercicio de pesos entre o contentor no cais e o edifico dos labotórios, na outra ponta da base. Recolhemos amostras de sangue e tecidos que temos de colocar e transportar em gelo, o que não deveria ser um problema na Antarctica. Mas este ano o verão foi quente e quase não nevou, e em todo o perímetro da base apenas restam alguns pequenos aglomerados de gelo que podemos utilizar para as amostragens.
Depois da longa fase de preparação da campanha, particularmente complicada em termos logísticos, pois os dois locais em que realizaremos os trabalhos são bastante remotos, zarpamos hoje de Punta Arenas, no sul do Chile, em direção ao arquipélago das Shetlands do Sul e à Antártida. Embarcámos ontem à noite no navio espanhol Hespérides e vai ser aqui que vamos passar as próximas duas semanas, quase sempre em trânsito e com, pelo menos duas saídas a terra, às nossas áreas de estudo, próximo da base norte-americana de Palmer e em Cierva Cove na Península Antártica. Aí, iremos proceder à manutenção de várias perfurações em que medimos as temperaturas do solo e de estações meteorológicas automáticas. Durante a campanha, colocaremos posts em que explicaremos em mais detalhe os trabalhos que formos realizando. Antes de sair de Lisboa, reunimos várias vezes, quer no IPMA, quer no IGOT, para preparar os trabalhos, discutir a aquisição de instrumentação e, já na semana antes de partir, para calibrar os sensores térmicos que vamos instalar nas perfurações de Palmer e de Cierva Cove. Para isso, preparámos um banho de gelo e água destilados, que fazem com que a temperatura da mistura permaneça a 0 ºC, o que possibilita calibrar as cadeias termométricas que assim ficarão mais precisas. As duas cadeias encontram-se ligadas a um registador automático que mede temperaturas com intervalos horários e que ficarão instalados na Antártida em furos. As temperaturas serão medidas a diferentes profundidades e a cada hora, substituindo os sistemas que anteriormente tinhamos instalado. A vantagem dos novos sistemas de registo são a sua robustez, maior precisão, maior durabilidade da bateria e memória, bem como a facilidade de realizar o download dos dados. Serão sistemas autónomos, mas por enquanto, ainda é necessário visitar o local para obter os dados. |
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