DIÁRIOS DE CAMPANHA
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Yelcho é uma pequena base do Instituto da Antarctica Chilena, INACh, localizada na pequena ilha Doumer, rodeada, ou melhor, no meio de uma colónia de pinguins papua. Encontra-se numa baia que é uma area especialmente protegida, e alvo de monitorizacao de ecossistemas. Após muitos anos sem utilizacao efectiva, a base, que fica numa pequena zona rochosa sobre o mar, foi recentemente renovada e adicionado um laboratório humido, com água salgada corrente, portanto com potencial para as nossas experiencias. A chegada foi confusa pois ao mesmo tempo saíam os investigadores que embarcavam no Hespérides e nao há propriamente um acoroadouro, mas apenas uma escada de corda. E depois é preciso não pisar os pinguins, ignorar o odor e caminhar por entre rochas até chegar à base. Este ano a base foi alvo de melhoramentos, novos passadiços de madeira, recebeu um novo barco, etc. À minha espera estava Cesar Cardenas, biólogo marinho e chefe da base. O primeiro dia foi dedicado a pescar, fora da baía e em redor da ilha. Jorge, condutor do barco, gosta de pescar e foi facilmente convencido a participar, assim como Erasmo, investigador de algas antarcticas e que já esteve no CCMAR. A abundância de peixes não se compara ao que podemos encontrar em King George Island, provavelmente devido aos fundos inclinados, que passam rapidamente dos 0 aos 30 metros em pouco mais de 20 metros de distancia da linha de costa. Estas especies vizem no fundo e preferem zonas mais planas com cobertura de algas. È preciso procurar os spots! E as vistas são deslumbrantes, com as paredes verticais das montanhas de Fief, na ilha Goudier, e os picos nevados da ilha Anvers adjacentes a dominar a paisagem e na água focas e pinguins. Não é por acaso que a zona seja fequentemente visitada por navios de cruzeiro e a base próxima de Port Lockroy está cheia de turistas. Não há muito tempo... e o dia seguinte serve para tentar canular bexigas e obter amostras para análise do microbioma. Não são necessários muitos peixes e contento-me com cerca de 10 Notothenia coriiceps? Ou serão N. negecta? Ou ambas? Os dois morfotipos, subespécies ou mesmo espécies distintas (a dúvida persiste) são os peixes mais comuns aqui. Recolho algumas amostras e levo três exemplares. Somos 16 e juntamos-nos apenas para as refeicões, mas como a base é pequena acabamos por nos cruzar com frequencia. Para além do pessoal científico estão na base 7 técnicos que tratam da manutenção e renovações, o condutor da embarcação, e o cozinheiro/paramédico. Como vamos sair em pouco tempo não há o churrasco de sábado mas ao jantar tempo para celebrar o aniversário da base... ou da sua reabertura, com bolo e vinho do porto. Ontem a meio do dia começámos as primeiras arrumações. O navio Lautaro chegou ao fim do dia e sairemos dentro de umas horas. O inverno é rigoroso, e é necessário proteger tudo o que não pode ser retirado. Desmontar embarcações, guardar motores, retirar bombas da água, retirar água das canalizações, ao mesmo tempo que arrumamos amostras, equipamento científico e bagagens pessoais. Tudo preparado... depois do jantar um trago de whisky entre histórias antarcticas e trocas de experiencias e epopeias da vida académica no Chile, Canadá, EUA, Dinamarca, Suiça, Malta e Portugal!
Foto de grupo e hasta siempre Yelcho!!
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A campanha antártica para mim já terminou e enquanto aguardo pelo voo da próxima quinta-feira, aproveito o tempo para descansar um pouco e disfrutar estes dias no navio. A grande surpresa de hoje foi avistar, de perto, baleias minke em Caleta Cierva... As baleias pareciam estar felizes e a adorar o bom tempo, andando de um lado para o outro, passando por baixo e contornando o navio. E todos nós contentes por estarmos a vê-las. Aposto que o Pedro não ficou muito contente!!! Para terminar o dia em esplêndido, o comandante do navio ainda nos deu (a mim e ao Gonçalo Vieira) a oportunidade de ir à ilha de Couverville, onde se encontram várias colónias de pinguins. O dia esteve fantástico e a paisagem simplesmente indescritível!!! Quantos aos pinguins, cada vez que os vejo, mais fico encantada…e já nem o odor característico me incomoda!! Foi a primeira vez que estive mesmo numa colónia de pinguins e onde pude ver alguns jovens pinguins na mudança de penugem… É de evitar qualquer proximidade com eles, porque esta é uma altura especialmente stressante para o pinguim. No entanto se estivermos parados e quietos, eles próprios passam ou param mesmo ao nosso lado!!! Carmen Sousa e Pedro Guerreiro,16 Fevereiro 2017, arquipélago de Palmer, a bordo do navio Hespérides Os dias a bordo do navio têm estado maravilhosos, um sol esplêndido, mar calmo, vento quase ausente e uma temperatura bastante convidativa a sair e contemplar as belas paisagens que se avistam. Na quarta-feira, dia 14, passamos pelo estreito de Gerlache em direção a Palmer. Este é um mar de baleias. Dezenas de baleias de bossas cruzaram o caminho do navio durante as cerca de 10 horas de navegação entre paredes montanhas geladas. Ao fim do dia fundeámos frente à base americana Palmer, no sul da ilha Anvers. Ontem, 15, acompanhámos o Gonçalo Vieira e João Ferreira aos pontos de perfuração e à estação meteorológica que mantêm perto de Palmer. O objectivo é recolher as sondas deixadas em cerca de 10 furos e reparar o anemómetro, e eventualmente voltar a tempo de visitar a base americana. Aqui também se fazem estudos com peixes e seria interessante visitar as instalações e falar com os cientistas sobre temas mais próximos da nossa investigação. Ao mesmo tempo que tentamos ajudar aproveitamos para conhecer e disfrutar a bela vista do glaciar e dos elefantes-marinhos que estao perto. O comandante permitiu algumas horas de trabalho em terra, mas enquanto estávamos na ilha o tempo começou a agravar-se, demasiado vento, e tivemos de voltar, não sem antes sermos perseguidos por um leão-marinho que não nos queria deixar chegar ao material que havíamos deixado em terra... e a visita a Palmer terá de ficar para outra oportunidade. Hoje acordámos rodeados de icebergs e focas. Enquanto a equipa de geólogos e os cientistas do instituto hidrográfico espanhol desceram a terra, nós e alguns membros da tripulação fomos autorizados pelo comandante para uma pequena saída de zodiac para contemplar os gigantes de gelo, os pequenos icebergs onde descansam focas-caranguejeiras, e a colónia de pinguins papua. Mais umas horas de navegação rumo ao norte e é hora de nos despedirmos do meu companheiro de campanha, Pedro Guerreiro, que desembarcou em Yelcho, onde vai permanecer até dia 20 ou 21. Este ano esta base chilena, de Yelcho, vai fechar ainda mais cedo que o previsto, por isso o Pedro tem pouco tempo para as actividades planeadas mas talvez consiga ir no mesmo voo KOPRI que nós (eu, Gonçalo, João e António), de 23 de Fevereiro, da ilha de King George até Punta Arenas. Algumas pessoas questionam o porquê de não ter ido com o Pedro e não fui por várias razões. O plano inicial era regressar dia 3 mas com os atrasos que já foram sendo mencionados tivemos de adiar a minha ida para conseguirmos finalizar as experiências, pois nosso principal objetivo da campanha deste ano seria em Great Wall. Em Yelcho as actividades são exploratórias, para observar as condições para futuras experiências, avaliar que espécies de peixes podem ser encontradas e recolha de amostras em condições não experimentais, não sendo por isso necessário irmos os dois. Por último, como esta base chilena é pequena, não havia inicialmente disponibilidade para alojarem dois investigadores. No entanto devido as alterações de fecho da base, aqui embarcaram 14 chilenos, mais que o previsto, associados a projetos polares do INACH (Instituto Antártico Chileno) e IDEAL (Centro de Investigación Dinámica de Ecosistemas Marinos de Altas Latitudes). No Hespérides, a sala dos investigadores está lotada. A maior parte dos investigadores a bordo aguardam os voos de 22 (voo uruguaio) e 23 de fevereiro (voo coreano). O ambiente contrasta entre a azáfama dos que estão quase a terminar as suas campanhas e a tranquilidade dos que já terminaram. Entre os dias 20 e 21 mais pessoas vão embarcar no navio para os mesmos voos, incluindo o António Correia que está na base búlgara na Ilha Livingston. E começam os preparativos para o regresso!!!
Ontem foi o dia de nos despedirmos da base chinesa e de entrarmos a bordo do navio Hesperides. A mim espera-me 12 dias a bordo até regressar a Punta Arenas e ao Pedro 6 dias até chegar à estação em Yelcho. Esperamos na praia. O navio está algures no nevoeiro e vir-nos-ão buscar de zodiac o que acontece ao fim de meia hora. Os chilenos ajudam-nos a colocar tudo no bote e ai vamos rapidamente – temos amostras para guardar nos congeladores! O “Hesperides” já não é novo (1991), mas está bem remodelado e cuidado. O navio está dividido entre as áreas de trabalho da marinha espanhola e os camarotes entre os tripulantes da marinha e os cientistas. O tipo de alimentação é muito similar ao nosso e, passado aproximadamente um mês da nossa chegada à Antártida, voltamos a usar talheres durante as refeições. Os camarotes estão lotados e a noite passada tivemos que dormir num saco cama no chão. Para nossa sorte, o tempo tem estado calmo apesar do nevoeiro intenso! O percurso que nos espera é ilha Livingston, onde desce o António Correia (projeto PERMATOMO) que fica na base Bulgara, depois peninsula Byers, também na ilha Livingston (onde deverão subir os 3 colegas do projeto CRONOBYERS), e em seguida para a ilha Deception (base espanhola Gabriel de Castilla). Depois rumamos a sul pelo estreito de Gerlache em direcção à base americana Palmer (ilha Anvers), depois mais a sul e subimos para a base chilena Yelcho na ilha Doumer, onde devemos chegar a 17 e recolher 10 cientistas chilenos. Daí começaremos a subir junto à Peninsula Antarctica parando em Cierva e noutros pontos de amostragem no regresso (mais rápido) até Fildes, na Ilha Rei Jorge onde se encontra o aeroporto que opera os voos para Punta Arenas, enquanto que o navio volta a descer. O seu destino final antes de voltar a Espanha, é Ushuaia (Argentina) para onde deve seguir só a 14 de Março.
Entre ontem e hoje estivemos a arrumar e a fazer o inventário de todo os materiais e reagentes que transportamos ou que deixamos armazenados em Great Wall. Muitos destes materiais poderão ser utilizados em futuras campanhas. O transporte de equipamentos para a Antarctica é complicado e assim sabemos exactamente o que pode fazer falta e o que fica. É importante deixar registado não só as quantidades e o estado de conservação mas também onde ficam arrumados, pois juntamente com as nossas coisas existem centenas de outras caixas na cave da base, e muitas serão ainda realojadas ou reacondicinadas depois do fecho da época.
Entretanto fomos convidados para apresentar a nossa investigação na base chilena Escudero, que organiza sessões de seminários todas as quintas-feiras. Outras palestras descrevem o impacto dos humanos nas colonias de petréis gigantes, avaliados por investigadores alemães alojados na base russa Bellingshausen ou os projectos acerca dos ecossistemas nas altas latitudes desenvolvidos pelas universidades chilenas. Também em Great Wall devemos dar um seminário, este com tradução simultânea do inglês ao chinês. Falamos sobre o que fazemos mas também das particularidades dos peixes Antárcticos, mas não sabemos o que realmente foi transmitido. Foi também altura para agradecer a todos os membros da 33ª Chinese Antarctic Research Expedition a ajuda que nos deram para realizarmos as experiencias, a hospitalidade e a alimentação de 1ª classe do Chef. E deixamos ao chefe, Chen Bo, os cumprimentos do Propolar. À noite temos o jantar de despedida. Um rancho melhorado em nossa honra regado com vinho do Porto que haviamos trazido. Gambé!!! Pela primeira vez vi focas de Weddel, elefantes e leões marinhos aqui na Antártida. Fomos dar um passeio à praia juntamente com a Sandra Heleno e o Pedro Ferreira, portugueses que ficaram na base chilena, e que com o Pedro Pina, vão embora já amanhã. Os elefantes marinhos parecem amistosos, mas quase não se importam com a nossa presença, enquanto que os leões marinhos são mais agressivos e até podem correr atrás de nós se acharem que estamos no seu espaço. Apesar de parecerem uns queridos, os elefantes marinhos têm um senão - o odor! Estes animais podem estar a mais de 500 metros do mar, onde chegam arrastando a sua meia tonelada pelo solo. E o esforço de voltar ao mar só para fazer a higiene parece demasiado. No entanto é impressionante ver estes animais no seu habitat natural!!
Último dia do ano do Macaco para dar início ao ano do Galo, que significa paz e felicidade. Para nós o grande galo é que ainda não temos o equipamento! Mas vamos esquecer isso por agora porque é um dia de festa. Este festival é o mais importante do ano na China, similar à nossa festa de passagem de ano. Entre estes dois dias, os chineses fazem todas as tarefas com muita calma e pouco trabalham, caso contrário há a superstição que o novo ano não vai correr bem. Logo, o nosso dia foi tranquilo e com pouco trabalho, mas o jantar foi especial, com muita variedade de comida e bebidas alcoólicas e, claro está, não podia faltar o karaoke. Um dos hábitos que têm é levantarem-se e irem brindar (gambe em chinês) mesa a mesa ou até mesmo um a um e é uma falta de educação não brindar. Uma das bebidas alcoólicas mais famosas tem 52% de álcool e é feita através de uma planta, que neste momento não sei qual é (também não posso pesquisar porque só temos acesso ao WhatsApp) e que tem semelhanças com o milho, mas, que segundo eles não tem semelhança nenhuma !!!??? Esta bebida tem um sabor e um odor bastante forte e é preciso ter muito cuidado porque senão não se fica em boas condições!!! Não me lembro bem!!!! Relativamente à comida, há de tudo mas o recorrente é o “dumpling”, uma iguaria típica da China, oriundo e muito popular na província Guangdong, segundo nos dizem. É um tipo de massa fina com a dimensão de um rissol e que pode ter vários recheios, nomeadamente carne. Nesta época festiva é muito característico comer-se em grandes quantidades. Durante o jantar estavam sempre a sair quentinhos e quanto mais saíam mais se comiam!! A tarefa de os comer com pauzinhos é que nem sempre é fácil, como se pode ver na imagem!! Outro momento alto é o karaoke! Quase todos cantam mas como tinha maioritariamente músicas em chinês, era difícil nós participarmos. Mas lá nos conseguiram arranjar algumas
músicas em inglês e pudemos cantar... bem, mais ou menos! Apesar da felicidade esta é uma época para estar com a família na China, um pouco como o Natal para nós, e havia nostalgia e saudades no ar! Ja temos todos os peixes necessários para as experiencias que planeámos, mas continuamos limitados pela falta de material. Ontem o Sarmiento de Gamboa, um dos dois navios espanhois que apoiam o Propolar tentou descarregar o nosso material depois de não ter sido possível recebê-lo do outro navio, o Hesperides, na sexta passada. Infelizmente ventos de 25 nós impediram que os zodiacs pudessem ser colocados na água para trazerem a carga até à praia. Após 4 horas de espera o navio teve de zarpar para Punta Arenas de onde nos irão enviar os equipamentos por avião. Seguramente não chegarão até à próxima sexta e isto muda os nossos planos. Afinal a Carmen já não poderá sair a 3 como planeado e tentaremos terminar tudo até 11, quando o Hespérides volta para nos levar até Yelcho, para a segunda fase da camapanha! O problema de momento é alimentar os animais até que possamos receber tudo e inicar. Vamos procurar anfípodes e outras opções junto com os colegas chilenos que estão a fazer experiencias em Escudero com Harpagifer antarcticus e que hoje procuram peixes durante a maré baixa entre pedras no meio de grandes blocos de gelo. Não estamos sós – os pinguins divertem-se e divertem-nos com os seus saltos.
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