DIÁRIOS DE CAMPANHA
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O trabalho de campo continua, a maior parte das vezes, na companhia do Pedro Pina e Sandra Heleno que constituem a equipa do Projecto CIRCLAR. A área de estudo preferencial continua a ser a Meseta Norte, que é uma estrutura topográfica bem destacada da morfologia envolvente, apresentando um bordo com uma altitude média de 110m (60m acima das cotas circundantes) (foto 1). Do topo da Meseta as vistas são extensas e belas (foto 2- vista Sul, a partir do topo da Meseta Norte, observando-se muito ao longe os edifícios Chilenos da Península de Fildes (Base Científica, onde nos encontramos, Base da Marinha, Base da Força Aérea e as casas da Vila de las Estrellas), se a visibilidade o permitir (foto 3).
Na baía Collins (onde se encontra a base Uruguaia), no seu bordo Sul, as lavas vulcânicas encontram-se fortemente fracturadas (fracturação predominantemente sub-horizontal), estando essas fracturas preenchidas por material silicioso, sob a forma de jaspe vermelho e verde (foto 10). Na foto 11, é possível observar-se a elevada densidade das fracturas preenchidas. A conjugação da intensa fracturação com a disjunção colunar destas lavas origina uma rede de fracturação tridimensional (foto 12), que com o tempo e a progressão da alteração acabam por formar blocos esféricos (disjunção esferoidal).
Termino com duas observações, de cariz biológico, realizadas no caminho de regresso à nossa casa (temporária) Chilena: a primeira, a observação da minha primeira medusa Antárctica (foto 13), que desconhecia que pudesse habitar em águas tão frias e, a segunda, um afloramento parcialmente coberto pelo líquen Usnea (o líquen ubíquo aqui, na Península de Fildes) (foto 14); esta distribuição assimétrica deve-se ao regime de ventos desta região, que sopra preponderantemente de Norte, pelo que os líquenes só se desenvolvem na face Sul da rocha, a face menos exposta aos ventos.
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É o ser animal com quem mais interagimos. Existem por todos os cantos da ilha, junto ao litoral, no topo das maiores elevações, à porta das bases científicas… É curiosa e afável, e enquanto estamos a trabalhar no topo da Meseta Norte, onde as há em abundância, aproximam-se bem perto e ali ficam a observar o que fazemos! Se nos demoramos um pouco mais, até sobem o “seu trem de aterragem” e ali ficam, calmamente (foto 1, mas com o trem de aterragem levantado! Mas com crias ou ovos no ninho é melhor ficar ao largo… Ao aproximarmo-nos de um ninho, começa-se por ouvir um piar que onomatopeicamente corresponde a um ah-ah-ah!, logo depois associado a uma sucessão de acções que começa com uma descolagem rápida, um voo com uma rota decidida e directa (foto 2), sem escalas, em direcção a nós, os infractores do seu espaço, terminando com uma aproximação frenética às 12 horas, que traduzido de outro modo, significa que vêm direitinhas às nossas faces. No entanto, mesmo em cima do “objecto” sob ataque, nós, mudam repentinamente a sua direcção de voo, afastando-se…(foto 3) para depois voltar à carga (e sempre com o ah-ah-ah bem claro, bem acima das três-oitavas).
GEOPERM III_#05: Rochas Piroclásticas – alguns aspectos destas rochas na Península de Fildes29/1/2017 Na impossibilidade de andar a seguir os limites das distintas unidades litológicas, não só por questões logísticas mas também, e principalmente, pela estrutura geológica existente na maior parte da região desta península, que é constituída por uma sucessão de escoadas lávicas intercaladas com rochas piroclásticas - fotos 1 e 2, onde são visíveis as referidas intercalações; as escoadas lávicas são mais compactas, com uma matriz mais homogénea, constituindo litologias que são mais resistentes à erosão, ficando em relevo relativamente aos materiais piroclásticos (foto 2); na foto 1, os níveis piroclásticos apresentam tonalidade avermelhada e uma escoada lávica espessa constitui o topo desta pequena elevação. As rochas piroclásticas são rochas volcaniclasticas (este termo é utilizado para descrever qualquer rocha clástica ou depósito gerado através de erupções vulcânicas, não levando em consideração os processos remobilização à superfície que eventualmente possam ter afectado estes materiais) formadas pela acumulação de piroclastos (fragmentos) durante as erupções explosivas (foto 3 ; foto 4). Ocorrem principalmente em magmas de composição intermédia a ácida (valores médios a altos de sílica), mas também podem ser produzidos a partir de magmas básicos, mais ricos em magnésio, normalmente ricos em voláteis (principalmente H2O e CO2). As rochas piroclásticas podem ser classificadas de acordo com a dimensão e abundância dos seus fragmentos- cinzas: <2mm; lapilli: entre 2 e 64mm; blocos e bombas: >64mm). Na foto 5 é possível observar uma espécie de brecha vulcânica constituída por fragmentos de distintas distintas formas e dimensões, mas sempre superiores a 64mm, dispersos numa matriz de lapilli e cinzas. A foto 6 é um detalhe da foto 4, ilustrando a diversidade de dimensões dos piroclastos e evidenciando as diferenças texturais entre os dois níveis piroclásticos. A foto 7 mostra uma pequena sucessão entre níveis mais ricos em blocos e bombas (mais resistentes à erosão), intercalados em bancadas mais espessas onde predominam os lapilli. Nesta pequena sucessão é possível determinar a inclinação das bancadas para NE. Nas fotos 8 e 9, os fragmentos mais grosseiros têm uma forma mais arredondada e encontram-se dispersos, e em relevo, no seio de uma matriz rica em lapilli – é um exemplo típico de um conglomerado vulcânico. Na foto 10 observa-se uma grande variedade nas dimensões e formas dos piroclastos, que por vezes atingem dimensões de 1 metro, constituindo um aglomerado vulcânico. Muitas destas rochas piroclásticas podem ser observadas no extremo Sul da baía onde se encontra a base científica Uruguaia, de nome Artigas (foto 11), junto ao extremo SE do glaciar Collins (foto 12). Nas paredes verticais do Glaciar Collins (foto 13), ou de qualquer outro glaciar, prevalece o Princípio da sobreposição dos estratos, usado no domínio da Estratigrafia, em que numa sucessão de estratos, cada estrato é mais antigo do que aquele que o cobre e mais recente do que aquele que lhe serve de base. Na base dos glaciares é frequentemente observado fragmentos de rochas que foram neles incorporados durante a geração / movimentação dos mesmos (foto 14). Despeço-me com amizade, e com um companheiro atento (Pinguim Gentoo) que também gosta de rochas!!! (foto 15).
O trabalho de campo pela Península de Fildes tem decorrido a um ritmo heterogéneo, muito pela culpa das condições meteorológicas que têm condicionado esta região. Já houve dias em que foi impossível sair, e outros em que passámos 10 horas em marcha contínua pela península. Uma semana se passou desde que aqui aterrámos. Nos primeiros dias, voltámos à zona da Meseta Norte, para confirmar alguns limites litológicos que tinham ficado por terminar, aproveitando a substancial diminuição da quantidade de neve que cobre este ano a superfície desta península (foto 1). Verdade seja dita, que essa diminuição da quantidade de neve é muito mais significativa fora da zona da Meseta Norte, mas mesmo assim existem áreas da meseta descobertas que há dois anos atrás estavam inacessíveis (foto 2). Em alguns locais no bordo da meseta, observaram-se “corredores” de alteração (com uma largura até dois metros (foto 3) corresponde ao local onde se encontra o martelo, em que os fragmentos de rocha apresentam uma estrutura planar muito mais penetrativa, comparativamente às rochas envolventes (primeiro plano da foto)), onde a circulação de fluídos terá sido mais intensa, alterando significativamente as lavas vesiculares aflorantes (foto 4). Na periferia da meseta, em que a alteração é mais significativa, os basaltos andesíticos que constituem as escoadas lávicas estão fortemente afectados pela crioclastia (foto 5). Já fora da meseta, na região Sul da península de Fildes, realizámos um trajecto de modo a cortar a estrutura vulcânica segundo uma direcção E-W, ao longo do Valle de Viento (foto 6) e que termina a Este junto à base Chinesa Great Wall (foto 7, Pedro Pina, Sandra Heleno e a base Chinesa ao fundo). Já junto à costa Oeste da meseta, as dúvidas acerca da inclinação das escoadas lávicas ao longo do Vale do Viento são esclarecidas com a observação da inclinação para NE (foto 8- inclinação visível no lado direito da foto, com a existência de um filão a cortar toda a estrutura lávica), favorecendo a hipótese das lavas mais antigas se encontrarem no extremo SW da Península de Fildes (zona entre a Punta Irene e Punta Eberhard, que se pretende amostrar nos próximos dias). As estruturas circulares intrusivas (necks vulcânicos) ressaltam bem na topografia da península (fotos 9 e 10; nesta última, visível um filão radial). Concluo com uma observação não geológica: a zona costeira à base Chilena Julio Escudero (Baía de Ardley) tem sido muito concorrida com icebergs e navios (foto 11). Nota do autor: Devido à constante divagação por historietas, que o autor destes posts (associados ao projecto GEOPERM III) tem vindo a relatar, e dado o atraso que já leva sobre a realidade actual, o autor decidiu viajar no tempo e descrever a actividade de campo que presentemente se encontra a realizar na Península de Fildes. Com o tempo, há a promessa de colmatação da lacuna temporal assim gerada.
e lá se foi um polar… a chegada a Santiago do Chile não começou da melhor maneira. Depois de tantas horas no avião, todos os passageiros estavam ansiosos de respirar um pouco de ar puro – a verdade é que ar puro é coisa rara aqui para os lados da capital Chilena, pois o smog é muito frequente, com uma implicação muito danosa para qualquer fotógrafo que pretenda uma fotografia ícone desta cidade – a difusidade da cadeia Andina na envolvência da cidade. Com a confusão instalada na zona da recolha das bagagens, o desejo de sair para fora do aeroporto e com o anúncio da mudança do número da cinta nº1 para a cinta nº5, gerou-se um movimento repentino e em massa de todas as pessoas para o novo local de recolha das bagagens. Tinha o polar enfiado nas alças da minha mochila e, acredito que intencionalmente ou não, terá sido nesta altura que ele se sublimou. A verdade é que no dia seguinte antes da partida para Punta Arenas, ainda fui à secção dos perdidos e achados mas… não estava lá niente!! é domingo em Santiago… depois de apanhar o bus para o centro da cidade e de deixar a bagagem no hotel, lá fui cirandar pelo centro da cidade. No entanto os 37ºC rapidamente refrearam esta vontade – sair do Inverno de Portugal para no dia seguinte apanhar o Verão Chileno é demasiado drástico e repentino. Mas lá fui caminhando lentamente pelas avenidas e ruas de Santiago achando um movimento totalmente distinto do das duas últimas visitas a esta cidade. Nas redondezas do Palácio de la Moneda, normalmente repletas de pessoas, estavam às moscas!! O meu primeiro pensamento, quase imediato, é que uma forte recessão económica tinha apanhado de surpresa os chilenos neste último ano (tal foi o trauma dos últimos anos e que ainda está bem presente em nós, povo lusitano). No entanto, o facto de as lojas estarem quase todas fechadas trouxe a explicação lógica para os factos - é domingo em Santiago! à falta de melhor, bora para o Cerro de Santa Lucia… é incontornável uma visita a Santiago do Chile sem apanhar o funicular para o Cerro de San Cristóbal de modo a se ter uma imagem desta metrópole na sua plenitude. Este cerro eleva-se 370m das suas redondezas, originando o relevo mais elevado desta cidade, e a vista em todas as direcções é de tirar a respiração. Já estava nas últimas quando pensei – “chega! Vamos lá para cima passar o resto da tarde” – e lá fui eu… e de lá vim eu! É que o maralhal era tanto, tanto, a bicha para o funicular era tão extensa que antevi o tempo que iria para ali ficar, e ainda por cima à chapa do sol. Antevi, igualmente, que não tinha a força anímica suficiente para escalar o cerro a pé. Então, lá fui eu em direcção ao Cerro de Santa Lucia que está localizado no centro da cidade, e que, do ponto de vista geológico, faz parte de um alinhamento de estruturas vulcânicas (com a designação de Manquehue–San Cristóbal–Santa Lucía belt) que se estende por vários km’s nesta cidade, segundo uma orientação NE-SW. Corresponde a uma estrutura tipo dique, com 300 metros de espessura, relativamente à zona circundante e que do ponto de vista geoquímico corresponde a um basalto andesítico, com uma idade de 20 Ma. Tem um relevo pronunciado, com uma altura de 70 metros relativamente à área envolvente, e daqui consegue-se obter uma das melhores vistas de Santiago, na eventualidade de não se conseguir subir o funicular para o Cerro de San Cristóbal (que constitui o centro da estrutura vulcânica acima referida, constituída por rochas vulcânicas lávicas do tipo dacito e riólito, bem como rochas piroclásticas do tipo ignimbritíco). Foi neste cerro que Charles Darwin definiu a vista sobre a cidade de “certainly most striking”, quando a visitou em 1833. E o senhor Charles tinha toda a razão… no voo de Santiago para Punta Arenas não esquecer: reservar atempadamente um lugar à janela a “bombordo”…
nos voos da companhia de aviação chilena LAN, no trajecto que une as cidades de Santiago a Punta Arenas, que é o único que fiz até ao presente, é possível reservar muito antecipadamente o lugar (pelo menos um mês e meio antes). Esta possibilidade deve ser obrigatoriamente aproveitada para reservar um lugar à janela a “bombordo”, no sentido N-S, para se poder desfrutar do esplendor da cadeia andina - ela é vulcões, ela é relevos impressionantes, ela é glaciares, ela é vales esplêndidos, ela é, no seu todo, um verdadeiro espectáculo imperdível!! Ela é isto tudo se… não existir uma cortina de nuvens entre as montanhas e o avião ou se o lugar à janela ficar sobre a asa!!! Não, não! Não estejam a pensar que me calhou um lugar traiçoeiro como este. Na reserva que fiz, e para evitar a surpresa efeito-asa, atirei-me logo para o lugar da janela da última fila. O problema foi mesmo as nuvens. Junto as melhores, mas ainda assim, fraquinhas fotos que tirei (nada comparáveis às do ano passado), para se ter uma ideia do que falo. Depois de perder uma hora na vida a voar para Madrid, já a estou a recuperar e o saldo, quando aterrar em Santiago do Chile, até será positivo – um bónus de 2 horas nas pouco mais de 438 mil horas já vividas até agora. Isto começa bem!! Entretanto a única coisa interessante a relatar nesta viagem, com o avião completamente apinhado de pessoas, tem a ver com a nova experiência sensorial, com a designação “concertos a bordo”, que a Ibéria Airlines proporciona aos seus clientes nas viagens intercontinentais, de modo a que as longas horas de trânsito não custem tanto a passar. O concerto criteriosamente seleccionado para esta viagem, que durou cerca de 13 horas, teve como título “concerto nocturno sobre o atlântico, de crianças para adultos, em si bemol maior”, interpretado por um fabuloso trio de lindos bebés com um vozeirão único e inalcançável, gerado quando as suas perfeitas e doces boquinhas se escancaravam, acompanhados por um espernear e esbracejar desenfreados e intensos, para que os sons magnificamente gerados, nas correspondentes cordas vocais, se espalhassem por toda a assistência a bordo do airbus A320, que cumpria escrupulosamente o silêncio, que tem de ser de oiro quando se ouve um concerto desta magnitude. Depois do “entusiasmo” inicial ao ouvir a miscelânea conjunta das três vozes, incluídas no intervalo de escalas sonoras que vai do tenor-dramático ao do barítono-lírico, que me deixaram os olhos arregalados e as pupilas dilatadas, procurei nos meus acessórios, cuidadosamente preparados em casa, o equipamento que metaforicamente me atribuía o passaporte para uma calma e apaziguante noite sobre o atlântico: um comprimidinho de Olanzapina Mylan, a venda-para-os-olhos imprescindível e os insubstituíveis tampões-para-os-ouvidos, estrategicamente conjugados com a bela almofadinha e cobertor gentilmente cedidos pela Iberia. E é então que tive o meu primeiro calafrio desta missão – a percepção do esquecimento dos tampões…. As horas passaram, não sei quantas, nem quis saber, lá fechei os olhos para mais tarde os abrir como resultado de uma tremenda sede que tomou conta dos meus sensores cerebrais. Toca de carregar no botãozinho para chamar a assistente de bordo – sem resultado algum!! Depois de várias insistências, sem resposta da tripulação, decidi experimentar as minhas capacidades artísticas de criar um som harmonioso, ao carregar continuamente no botão de chamada das “hospedeiras”, decidido a somente parar até me aparecer uma! La acabou por dar à costa da fila 29 “um” hospedeiro, com cara de caso - com uma grande telha - diria um simples português – perguntando-me, um pouco irritadamente, o que eu queria? Lá lhe respondi, com uma expressão desconsolada, que estava muito desidratado e que necessitava urgentemente de um copinho de água. A sua reacção deixou-me boquiaberto: fez-me olhar para o sinal que indicava a necessidade de estar com os cintos apertados, referindo-me, em tom de complemento, que nesta situação de elevada turbulência aérea a tripulação não estava autorizada a sair dos seus lugares para acudir aos passageiros e satisfazer as suas necessidades mais prementes, virando-me imediatamente as costas e abalando para o seu poiso na cauda do airbus!! Momentaneamente, fiquei baralhadíssimo, pois não se sentia uma única vibração!! O avião atravessava o atlântico calma e serenamente….
La fui buscar a teoria ubiquamente posta em prática na ciência – teoria das múltiplas hipóteses alternativas – para concluir que toda a tripulação tinha assistido entusiasmada e integralmente a este fabuloso concerto nas nuvens, e que agora se regozijavam de um merecido descanso!! A luz dos cinturones de seguridad só se apagou ao fim de uma hora. Finalmente consegui, então, hidratar-me. Acordei, ainda nas nuvens, com a paisagem magnífica dos Andes… |
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