DIÁRIOS DE CAMPANHA
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Resumo da campanha do projeto Permafrost e alterações climáticas realizada na Península Antártica em Fevereiro de 2017.
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Na Antártida, a primeira vez que fui a terra foi no dia 15 de fevereiro, numa ilha junto a base Americana de Palmer. O desembarque na ilha implica a utilização de um zodiac e a descida através de uma escada de corda desde o nível da zona húmida do navio ate ao zodiac. O processo revelou-se fácil, mas quando se faz uma coisa pela primeira vez, tudo parece difícil. O desembarque na ilha foi feito sem novidade e de imediato retirámos os fatos de segurança e sobrevivência adequados a estas aguas geladas, colocámos as mochilas ás costas e iniciámos a escalada ao ponto mais alto da ilha onde se encontra o furo principal. O vento nesse local era muito intenso e começou a chover, mas os trabalhos de retirada dos sensores existentes e colocação dos novos sensores correu como planeado. No entanto, o agravamento gradual do estado do tempo levou a que o comando do navio decidisse que era necessário sair da ilha, 3 horas mais cedo do que estava previsto e deu conhecimento dessa decisão via radio. O trabalho principal estava feito, mas ainda faltava retirar equipamento de mais 9 furos secundários e fazer manutenção na estacão meteorológica. Dada a escassez de tempo, optou-se por abandonar os trabalhos na estacão meteo para tentar acabar os trabalhos nos furos secundários, o que se conseguiu em cima da hora. Um dos furos está situado ao lado de uma colónia de focas elefante. Foi o meu primeiro contacto com um dos "indígenas" desta terra. Os blogs ainda não transmitem cheiros e assim a experiência não é tão rica, mas visualmente o que se nos deparou foi isto: A minha primeira experiência Antártica tem sido muito enriquecedora tanto a nível pessoal como profissional. É um enorme privilégio para mim poder participar nesta missão, formando equipa com Gonçalo Vieira, um “veterano” nestas aventuras, que possui um enorme conhecimento teórico e pratico destes assuntos e que ao longo destes últimos dias me tem sabido transmitir alguma da sua experiência. Agradeço a sua paciência comigo, porque a assimilação de determinados pormenores não é fácil para quem vem pela primeira vez para estas latitudes. O stress é elevado de início, mas vai diminuindo ao longo do tempo. Apos uma longa viagem desde Lisboa, chegámos a Punta Arenas no Chile, onde vi pela primeira vez o navio Hespérides que nos havia de transportar desde as terras de Magalhães ao Continente gelado atravessando o Estreito de Drake. Ao ver o Hespérides fiquei um pouco mais tranquilo, porque me pareceu um bom navio e um dos meus maiores receios era a travessia do famoso Drake. As minhas experiencias mais radicais de navegação marítima eram, ate então, a travessia do Mediterrâneo entre Algeciras e Ceuta e muita experiencia de cacilheiro. Uma travessia com uma duração de 3 dias e com ondas que poderiam ultrapassar os 9 metros, era, para mim, um autentico Adamastor. Iniciei a viagem num mar de cristal ao longo do estreito de Magalhães em direção a oeste, o que deu algum tempo para o meu organismo se começar a adaptar. Ao entrar no Oceano Pacifico tive o meu primeiro contacto com ondulação e percebi que tinha que me agarrar aos corrimões do navio de vez em quando. No entanto, pouco depois entramos no canal Beagle rumo a leste e a calmaria voltou. Nessa noite descansei bem.
Na manha seguinte quando acordei, tínhamos passado Ushuaia na Argentina, a cidade mais ao Sul do mundo e a estibordo via-se Porto Williams no Chile, a pequena localidade com população permanente mais ao sul do mundo. Pensar isso aumentou os meus níveis de adrenalina pois sabia que a partir dai ficaria muito mais exposto as forcas da natureza e muito mais dependente de terceiros. Mas, paradoxalmente, também me induziu uma estranha sensação de liberdade. E nesse dia entramos no Drake… Antecipadamente tinha consultado a previsão do estado do mar que apontava para ondas com 5 metros de altura significativa, o que para os entendidos e habituados ‘lobos do mar’ equivale a um Drake ‘quase chão’. À hora de almoço, o meu estomago começou a achar que precisava de ajuda e de forma polida e profilática pediu-me 2 comprimidos contra o enjoo que foram suficientes para o resto da viagem. Se o estomago não protestou mais, as 2 noites seguintes foram complicadas para conseguir dormir, devido aos constantes abanões laterais que este navio sofre em mar aberto. Mas curiosamente, embora com poucas horas de sono, nunca me senti muito cansado. O mito do Drake foi ultrapassado de uma forma relativamente fácil, mas tenho a noção que a prova não foi suficientemente dura… Ondas de 9 metros devem ser muito assustadoras neste navio com calado reduzido face a altura das superestruturas (parte do navio acima da linha de agua). Neste ultimo comentário devem ter percebido que os 3 dias de Drake serviram para aprender alguma coisa de construção naval… Depois da longa fase de preparação da campanha, particularmente complicada em termos logísticos, pois os dois locais em que realizaremos os trabalhos são bastante remotos, zarpamos hoje de Punta Arenas, no sul do Chile, em direção ao arquipélago das Shetlands do Sul e à Antártida. Embarcámos ontem à noite no navio espanhol Hespérides e vai ser aqui que vamos passar as próximas duas semanas, quase sempre em trânsito e com, pelo menos duas saídas a terra, às nossas áreas de estudo, próximo da base norte-americana de Palmer e em Cierva Cove na Península Antártica. Aí, iremos proceder à manutenção de várias perfurações em que medimos as temperaturas do solo e de estações meteorológicas automáticas. Durante a campanha, colocaremos posts em que explicaremos em mais detalhe os trabalhos que formos realizando. Antes de sair de Lisboa, reunimos várias vezes, quer no IPMA, quer no IGOT, para preparar os trabalhos, discutir a aquisição de instrumentação e, já na semana antes de partir, para calibrar os sensores térmicos que vamos instalar nas perfurações de Palmer e de Cierva Cove. Para isso, preparámos um banho de gelo e água destilados, que fazem com que a temperatura da mistura permaneça a 0 ºC, o que possibilita calibrar as cadeias termométricas que assim ficarão mais precisas. As duas cadeias encontram-se ligadas a um registador automático que mede temperaturas com intervalos horários e que ficarão instalados na Antártida em furos. As temperaturas serão medidas a diferentes profundidades e a cada hora, substituindo os sistemas que anteriormente tinhamos instalado. A vantagem dos novos sistemas de registo são a sua robustez, maior precisão, maior durabilidade da bateria e memória, bem como a facilidade de realizar o download dos dados. Serão sistemas autónomos, mas por enquanto, ainda é necessário visitar o local para obter os dados. O projeto PERMANTAR é um projeto de longo prazo que se baseia na monitorização do solo permanentemente gelado da região da Península Antártica, bem como de diferentes parâmetros ambientais, para compreender a dinâmica das áreas sem glaciares da região. As campanhas na Antártida são geralmente complexas, envolvendo várias equipas no terreno, que fazem observações, mantêm instrumentação e recolhem amostras ao longo de um transecto latitudinal de cerca de 400 km desde a ilha Dundee até ao arquipélago de Palmer. O projeto faz parte das redes internacionais Thermal State of Permafrost (TSP) e Circumpolar Active Layer Monitoring (CALM) da International Permafrost Association e Global Terrestrial Observing System, contribuindo com dados para a Global Terrestrial Network on Permafrost (GTN-P). O projeto está também enquadrado nas atividades do Expert Group on Permafrost, Soils and Periglacial Environments do SCAR. É um projeto financiado pela FCT, coordenado pelo CEG/IGOT – Universidade de Lisboa e que conta, pela primeira vez, com a participação do IPMA que colabora na manutenção da rede de estações instaladas na Península Antártica. O projeto PERMANTAR integra ainda equipas da Universidade de Évora, Universidades de Alcalá e Oviedo (Espanha), Universidade Federal de Viçosa (Brasil), Universidade de Buenos Aires (Argentina) e Universidade de Sofia (Bulgária). A rede de observatórios PERMANTAR é uma das mais importantes da Antártida, quer pela sua extensão geográfica, quer pela profundidade das sondagens que estão a ser atualmente monitorizadas.
A campanha de 2016-17 terá atividades nas ilhas Deception, Livingston, arquipélago de Palmer e Cierva Cove, centrando-se os diários de campanha nas duas últimas, pois os dois locais inicialmente referido serão mantidos por colegas envolvidos nos projetos CHRNOBYERS e PERMASNOW. A preparação da presente campanha iniciou-se em Março de 2016, com o envolvimento do IPMA e do meteorologista João Ferreira que vem agora à Antártida para apoiar na manutenção do equipamento observacional e para tomar um primeiro contacto com o terreno, de modo a melhor avaliar as necessidades instrumentais para o futuro. Da parte do CEG/IGOT, venho eu, Gonçalo Vieira, que sou coordenador do projeto e realizo a minha 10ª missão na Antártida. Neste diário de campanha iremos colocando informações de natureza científica, mas também pessoais sobre o decorrer da campanha, que se inicia a 8 de Fevereiro e termina a 23 de Fevereiro, com o apoio logístico dos programas espanhol (navio oceanográfico Hespérides) e sul-coreano (voo de regresso Antártida-Punta Arenas). |
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