DIÁRIOS DE CAMPANHA
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O dia começou bem cedo. Às 6 da manhã, acordámos para o pequeno almoço. Foi um dia em cheio, sendo que ocupámos a maior parte do mesmo em SAS2, mas também trabalhámos em SAS1 e KWAK, dada a proximidade entre estes locais e a facilidade de deslocação devido à utilização do helicóptero. Em SAS2 conseguimos utilizar o DGPS. Na chegada a este local, enquanto o meu orientador organizou o plano de vôo para o drone, eu distribuí marcas de controlo ao longo da área de estudo, por forma a utilizarmos o DGPS e corrigirmos, com pormenor, o ortofotomapa a realizar. A distribuição das placas não decorreu exatamente da forma desejada devido à impossibilidade de cobrir toda a área a pé, por causa da quantidade de áreas alagadas, sobretudo na parte central, o que obrigou uma distribuição pouco homogénea das placas. Não obstante, a utilização do DGPS foi um sucesso, sendo que mediante a introdução de um ponto de referência, georreferenciámos todas as placas distribuídas pela área de estudo. Mediante captação de fotografias aéreas por parte do drone, tornar-se-á possível identificar as placas nas mesmas e, recorrendo a um software específico, introduzir as coordenadas obtidas com o DGPS, melhorando a qualidade geométrica do levantamento. Na verdade, o drone e o seu software (eMotion3) já possuem mecanismos sofisticados para a correção fotogramétrica do ortofotomapa final da área de estudo, sendo que, em algumas experiências de processamento preliminar, realizadas na Estação de Investigação (CEN de Kuujjuarapik), o erro médio foi de apenas 70 centímetros.
A vegetação identificada em SAS2 e SAS1 foi semelhante à de ontem, que encontrámos em BGR. As gramíneas tinham especial expressão, progressivamente aumentando de porte até às margens dos lagos de termocarso, bem como briófitas e arbustos com domínio de Betula glandulosa. Contudo, apenas a 10 minutos de distância de helicóptero de SAS1, em KWAK encontrámos uma realidade um pouco distinta. Aí, depois de uma aterragem do helicóptero num afloramento rochoso deparámo-nos com um claro processo de “shrubification” (arbustização), termo usado para a substituição de vegetação baixa de tundra por arbustos, que ocupam amplas áreas na paisagem. O fenómeno ocorre especialmente ao redor dos lagos termocársicos, onde os arbustos altos dominam sobre musgos, líquenes, gramíneas e árvores. É um fenómeno que se tem vindo a intensificar no limite tundra-taiga no Subártico, como consequência do aumento da temperatura nas últimas décadas. Claro que, mais uma vez, não conseguimos percorrer a pé toda a área de trabalho (KWAK), sendo que apenas conseguimos amostrar uma pequena margem da mesma. Esta mostrava um domínio do género Salix, com alguns indivíduos superando 2 metros de altura, misturados com Betula glandulosa, embora de forma menos expressiva. Estou ansioso por perceber os diferentes fatores que influenciam estas mudanças nos ecossistemas próximos aos lagos termocárcicos e não só. A vegetação é um bom indicador para apurar os processos físicos e químicos que se têm desenvolvido com as rápidas mudanças a que estes locais estão sujeitos. Creio que existe uma relação em termos evolutivos entre todas as áreas de trabalho (BGR, SAS1, SAS2 e KWAK). Um dos nossos principais objetivos é verificar a rapidez com que estas áreas têm evoluído, para onde tendem e as consequências derivadas dessa evolução. Os estudos nestes locais, em escalas de grande detalhe, podem permitir extrapolar os resultados, apurando respostas para uma realidade mais abrangente e com consequências mais profundas, não só para os ecossistemas do Ártico e Subártico, como para todo o Mundo.
Pedro Freitas, 1 de setembro de 2017
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Este foi o primeiro dia de uma grande aventura, que começou, na verdade, desde a descolagem de Lisboa, onde fazendo escala em Frankfurt, aterrámos em Montreal. A diversidade cultural que nos esperava em Kuujjuarapik, desde cedo se fez sentir. No aeroporto de Montreal deparámo-nos com balcões de check-in de duas companhias aéreas, sendo uma da tribo Cree (AirCreebec) e outra Inuit (Air Inuit). Kuujjuarapik faz a transição entre estas duas etnias, sendo os Cree a tribo da floresta, presente mais a Sul de Nunavik, e os Inuit, os esquimós presentes a Norte. Desde cedo fiquei ansioso para conhecer algumas das expressões destas divergências no território, ligando os diversos saberes da Geografia. Em Kuujjuarapik, mal chegámos à Estação de Investigação do Centro de Estudos Nórdicos (CEN), tivemos apenas tempo de almoçar, organizar os instrumentos para o trabalho de campo e voar rumo a BGR, um local de estudo perto de Umiujaq. Num planeamento inicial, esta era uma área de trabalho onde sabíamos ter poucas possibilidades de aceder para o lançamento do drone “Suzanne Daeveau” (UAV eBee), dada à distância que apresentava de Kuujjuarapik e o pouco tempo que tínhamos para a realização da campanha. Mas os trabalhos nessa área foram possíveis dado o excelente apoio e boa vontade dos colegas do CEN, que permitiram que lá fossemos, logo no primeiro dia. Kim foi o piloto que tornou possível a minha primeira viagem de helicóptero, da floresta boreal à tundra. A viagem foi longa, sendo que demorámos sensivelmente uma hora até chegarmos a BGR, mas passou num instante, dada a qualidade do vôo e a diversidade de formas de relevo, ocupações do solo, zonas costeiras, ilhas, cursos de água e lagoas avistadas. Kim, espelhando a sua experiência, avistou ao longe um conjunto de Belugas perto da costa. Eram provavelmente mais de 200. Ficámos absolutamente maravilhados com tal surpresa. Mediante aproximação do helicóptero à área de trabalho (BGR), facilmente avistámos os lagos termocársicos, que apresentavam cores distintas, diferentes formas e inclusivamente, algumas palsas e litalsas contendo permafrost. Esta área estava ainda repleta de arbustos médios a altos e "solos falsos", onde os musgos e as gramíneas quase flutuavam num solo completamente alagado, em alguns locais exalando um odor forte a metano, como espelho dos processos físicos e químicos associados a um feedback positivo por parte do nosso Planeta. O meu orientador, professor Gonçalo Vieira, selecionou o melhor sítio para aterrar o helicóptero e claro, também para depois aterrar o drone. Ao mesmo tempo que montávamos as peças do drone, e fazíamos a calibração do mesmo e da sua nova câmera multiespectral, discutimos o plano de vôo, que seria cruzado de forma a melhorar a qualidade das fotografias aéreas e apresentaria uma aterragem em forma de cone dada a disponibilidade de espaço. Os arbustos eram de tal maneira altos que não permitiram a observação do solo de mais de 90% dos lagos termocársicos presentes na área de trabalho. Este era um território impenetrável para os humanos e para muitos outros seres vivos, evidenciando a importância destas tecnologias no que tem que ver com a obtenção de informação à distância para as estudar, e, por conseguinte, da deteção remota, área científica fulcral para a realização da minha tese de mestrado. O drone teve de aterrar várias vezes para a troca de bateria, sendo que durante o seu vôo fiquei atento à sua trajetória, à aproximação de aves, eventuais helicópteros, e também, de ursos, que a qualquer momento poderiam aparecer e nos deixar numa situação mais vulnerável. Felizmente, nada nos impediu na realização deste trabalho e tudo correu como previsto, sob condições meteorológicas favoráveis. Realizámos ainda ground truthing da vegetação, recorrendo à utilização de um GPS de mão para a marcação de pontos de controlo, onde verificámos a existência de musgos e gramíneas em solos mais saturados de água, bem como líquenes na proximidade a pequenos afloramentos rochosos, Betula glandulosa ao nível dos arbustos, algumas espécies do género Salix e coníferas como a Picea mariana e a Picea glauca. Os pontos de controlo, nestas áreas são difíceis de se obter, considerando as particularidades do desenvolvimento deste tipo de ambientes essencialmente anaeróbicos, onde a vegetação pode facilmente dar lugar a um lago profundo.
A utilização do DGPS também ficou limitada a esta realidade, impossibilitando, muitas vezes, a sua utilização para a georreferenciação de pormenor dos ortofotomapas da área de trabalho. Cientes destes factos, os esforços no decorrer deste dia foram bastantes, mas sem dúvida gratificantes, para mim e para o meu orientador. Acredito seriamente que as dificuldades só nos tornam mais fortes. São nas quedas que os rios ganham energia. Voltei à estação do CEN, ao lado do piloto Kim. Mesmo à minha frente, uma vista 180° que nunca tinha experienciado na minha vida. Inesquecível. Estou pela segunda vez em Kuujjuarapik/Whapmagoostui, na parte leste da Baía de Hudson, no Norte do Quebeque, desta vez no quadro do projeto Shrubifly e acompanhado do Pedro Freitas, estudante de mestrado no IGOT – Universidade de Lisboa. O Shrubifly é uma colaboração entre o IGOT e CQE da Universidade de Lisboa, e o Centro de Estudos Nórdicos (CEN) da Universidade Laval, no Canadá.
Este ano teremos uma curta campanha de 5 dias que tem como objetivo repetir os levantamentos com um veículo aéreo não-tripulado (VANT) realizados em agosto/setembro de 2015 e, se possível, acrescentar mais alguns locais. Voltámos a trazer o nosso eBee “Suzanne Daveau”, mas desta vez equipado com uma câmera multiespetral Sequoia que permitirá melhorar as classificações realizadas na missão de 2015. Os objetivos do projeto Shrubifly consistem em contribuir para melhor compreender o modo como os ambientes onde ainda ocorre permafrost no subártico, bem como as comunidades vegetais, estão a reagir às mudanças climáticas. Para isso, está previsto realizar vários levantamentos com o “Suzanne Daveau” em áreas de monitorização de lagos implementadas pelo CEN, repetindo os levantamentos realizados em 2015. Se tudo correr como planeado, ficaremos com levantamentos de muito alta resolução (cerca de 10-15 cm) que permitirão identificar mudanças nas formas associadas à degradação do permafrost (por ex.: palsas e lithalsas), bem como mudanças na cobertura vegetal ou nos lagos, que ao nível da cor, quer da área ocupada. Os levantamentos serão realizados por fotografia aérea a uma altitude de 100-120 metros, que permitirão gerar ortofotomapas digitais, bem como modelos digitais de superfície. A grande diferença entre os levantamentos deste ano e os de 2015, é que a câmera multiespetral permite-nos obter imagens de muito melhor qualidade espetral, com valores de refletância, que melhorarão significativamente as classificações anteriores. As classificações a realizar permitirão também aferir o real potencial a nível da resolução espacial de satélites como o Sentinel-2 da Agência Espacial Europeia, do Landsat-8 (USGS) ou de satélites comerciais como o World-View 2 e 3. Utilizaremos também fotografias aéreas de 1957 para comparar a evolução da vegetação e dos lagos nas áreas de pormenor. O projeto enquadra a dissertação de mestrado do Pedro Freitas e ainda investigação de equipas do CEG/IGOT, CQE e CEN, contando com a participação do João Canário (CQE), Carla Mora (CEN) e Warwick Vincent (CEN). Os principais desafios desta campanha relacionam-se essencialmente com o modo como as condições meteorológicas condicionarão as operações com o VANT, pois em situações de vento forte (>10 m/s) ou de chuva, não poderemos voar. Por outro lado, para chegar aos locais de trabalho necessitaremos de realizar as deslocações do helicóptero alugado pelo CEN e este só estará disponível nos primeiros três dias. É um tipo de situação muito normal em projetos polares, pois o tempo de helicóptero é muito caro e o mesmo terá que se deslocar várias centenas de quilómetros para ficar à disposição da equipa pelo curto período da campanha. Contudo, há muito boas possibilidades de termos alguns dias de bom tempo, como tem sucedido em campanhas anteriores do CEN, e esperamos, por isso, contar com a boa disposição da meteorologia do Grande Norte, para ter uma campanha bem-sucedida. Vamos ver! |
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