DIÁRIOS DE CAMPANHA
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DIÁRIOS DAS ATIVIDADES DE CAMPO DOS PROJETOS DURANTE A CAMPANHA PROPOLAR 2016-2017
Este foi o primeiro dia de uma grande aventura, que começou, na verdade, desde a descolagem de Lisboa, onde fazendo escala em Frankfurt, aterrámos em Montreal. A diversidade cultural que nos esperava em Kuujjuarapik, desde cedo se fez sentir. No aeroporto de Montreal deparámo-nos com balcões de check-in de duas companhias aéreas, sendo uma da tribo Cree (AirCreebec) e outra Inuit (Air Inuit). Kuujjuarapik faz a transição entre estas duas etnias, sendo os Cree a tribo da floresta, presente mais a Sul de Nunavik, e os Inuit, os esquimós presentes a Norte. Desde cedo fiquei ansioso para conhecer algumas das expressões destas divergências no território, ligando os diversos saberes da Geografia. Em Kuujjuarapik, mal chegámos à Estação de Investigação do Centro de Estudos Nórdicos (CEN), tivemos apenas tempo de almoçar, organizar os instrumentos para o trabalho de campo e voar rumo a BGR, um local de estudo perto de Umiujaq. Num planeamento inicial, esta era uma área de trabalho onde sabíamos ter poucas possibilidades de aceder para o lançamento do drone “Suzanne Daeveau” (UAV eBee), dada à distância que apresentava de Kuujjuarapik e o pouco tempo que tínhamos para a realização da campanha. Mas os trabalhos nessa área foram possíveis dado o excelente apoio e boa vontade dos colegas do CEN, que permitiram que lá fossemos, logo no primeiro dia. Kim foi o piloto que tornou possível a minha primeira viagem de helicóptero, da floresta boreal à tundra. A viagem foi longa, sendo que demorámos sensivelmente uma hora até chegarmos a BGR, mas passou num instante, dada a qualidade do vôo e a diversidade de formas de relevo, ocupações do solo, zonas costeiras, ilhas, cursos de água e lagoas avistadas. Kim, espelhando a sua experiência, avistou ao longe um conjunto de Belugas perto da costa. Eram provavelmente mais de 200. Ficámos absolutamente maravilhados com tal surpresa. Mediante aproximação do helicóptero à área de trabalho (BGR), facilmente avistámos os lagos termocársicos, que apresentavam cores distintas, diferentes formas e inclusivamente, algumas palsas e litalsas contendo permafrost. Esta área estava ainda repleta de arbustos médios a altos e "solos falsos", onde os musgos e as gramíneas quase flutuavam num solo completamente alagado, em alguns locais exalando um odor forte a metano, como espelho dos processos físicos e químicos associados a um feedback positivo por parte do nosso Planeta. O meu orientador, professor Gonçalo Vieira, selecionou o melhor sítio para aterrar o helicóptero e claro, também para depois aterrar o drone. Ao mesmo tempo que montávamos as peças do drone, e fazíamos a calibração do mesmo e da sua nova câmera multiespectral, discutimos o plano de vôo, que seria cruzado de forma a melhorar a qualidade das fotografias aéreas e apresentaria uma aterragem em forma de cone dada a disponibilidade de espaço. Os arbustos eram de tal maneira altos que não permitiram a observação do solo de mais de 90% dos lagos termocársicos presentes na área de trabalho. Este era um território impenetrável para os humanos e para muitos outros seres vivos, evidenciando a importância destas tecnologias no que tem que ver com a obtenção de informação à distância para as estudar, e, por conseguinte, da deteção remota, área científica fulcral para a realização da minha tese de mestrado. O drone teve de aterrar várias vezes para a troca de bateria, sendo que durante o seu vôo fiquei atento à sua trajetória, à aproximação de aves, eventuais helicópteros, e também, de ursos, que a qualquer momento poderiam aparecer e nos deixar numa situação mais vulnerável. Felizmente, nada nos impediu na realização deste trabalho e tudo correu como previsto, sob condições meteorológicas favoráveis. Realizámos ainda ground truthing da vegetação, recorrendo à utilização de um GPS de mão para a marcação de pontos de controlo, onde verificámos a existência de musgos e gramíneas em solos mais saturados de água, bem como líquenes na proximidade a pequenos afloramentos rochosos, Betula glandulosa ao nível dos arbustos, algumas espécies do género Salix e coníferas como a Picea mariana e a Picea glauca. Os pontos de controlo, nestas áreas são difíceis de se obter, considerando as particularidades do desenvolvimento deste tipo de ambientes essencialmente anaeróbicos, onde a vegetação pode facilmente dar lugar a um lago profundo.
A utilização do DGPS também ficou limitada a esta realidade, impossibilitando, muitas vezes, a sua utilização para a georreferenciação de pormenor dos ortofotomapas da área de trabalho. Cientes destes factos, os esforços no decorrer deste dia foram bastantes, mas sem dúvida gratificantes, para mim e para o meu orientador. Acredito seriamente que as dificuldades só nos tornam mais fortes. São nas quedas que os rios ganham energia. Voltei à estação do CEN, ao lado do piloto Kim. Mesmo à minha frente, uma vista 180° que nunca tinha experienciado na minha vida. Inesquecível.
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