DIÁRIOS DE CAMPANHA PROPOLAR 2017-18 |
O projeto Nunataryuk (https://www.nunataryuk.org/) – ‘Permafrost thaw and the changing Arctic coast, science for socioeconomic adaptation’ tem como principal objetivo avaliar o impacto da degradação do permafrost terrestre, costeiro e submarino no clima global e nas populações do Ártico de forma a desenvolver estratégias de adaptação e mitigação. O projeto é financiado pela Comissão Europeia através do programa H2020, compreende mais de 25 parceiros e instituições associadas e tem a duração de 5 anos (2017-2022). O IGOT-Instituto de Geografia e Ordenamento do Território da Universidade de Lisboa é o parceiro português do projeto e que conta com a coordenação de Gonçalo Vieira e a participação de Carla Mora e Pedro Freitas, bem como as de Pedro Pina (CERENA/IST) e João Canário (CEQ/IST). Durante o Verão de 2018, participámos na campanha de campo no Ártico Canadiano para essencialmente efetuar levantamentos com VANT-Veículo Aéreo Não-Tripulado em vários locais de duas das suas regiões (Yukon e Territórios do Noroeste) e obter dados de muito elevada resolução espacial que ajudarão a calibrar, validar e melhorar a qualidade dos outros dados de deteção remota (de satélite e de avião). Este e seguintes posts, já concluídos depois da campanha de campo ter terminado, pretendem descrever e ilustrar brevemente as atividades realizadas. A campanha decorreu em 4 principais fases, primeiro na sua preparação em Inuvik, depois já no campo e mais a Norte na ilha de Qiqiktaruk (também conhecida por Herschel), que se prolongou por deslocações em helicóptero ao longo de cerca de 200 km da costa norte-canadiana em vários locais e que se veio a concluir numa curta estadia na povoação Tuktoyaktuk ,localizada mais a Este, junto à costa com o seu levantamento com imagens de muito elevada resolução espacial. Cada uma destas etapas teve objetivos complementares que serão descritos separadamente nos próximos posts. Pedro Pina e Gonçalo Vieira Nuntaryuk #02: Preparação em InuvikDepois de uma viagem em várias etapas desde Lisboa, chegámos a 18 de Julho a Inuvik, uma localidade relativamente pequena (com cerca de 3000 habitantes) localizada a 68° de latitude Norte, mas que à escala e características do Ártico Canadiano se pode considerar grande, visto a maioria das suas poucas localidades serem ainda de dimensões mais pequenas. Inuvik foi assim a nossa base para ultimar e concertar a campanha de campo com os colegas de outras nacionalidades e instituições (Alfred Wegener Institute da Alemanha, Universidades de Amsterdão da Holanda, Estocolmo da Suécia e Laval do Canadá) com quem iriamos colaborar, apesar da diversidade das várias atividades planeadas. Durante 3 dias, entre as várias tarefas mais específicas relacionadas com a verificação e empacotamento dos vários equipamentos ou organização de mapas, imagens e outros dados de apoio, também estivemos a cozinhar, depois de várias idas ao supermercado. Organizámo-nos em turnos para utilizar contínua e intensivamente as cozinhas dos dois apartamentos onde estávamos instalados para preparar e congelar todas as refeições para uma dúzia de pessoas durante quase um mês de estadia no campo. Foi por vezes prolongado e cansativo, mas também foi uma excelente maneira de todos nos conhecermos melhor e de sabermos com mais pormenor quais as tarefas que cada grupo iria desenvolver no campo. Eram bastantes e diversificadas, tais como recolher amostras de água no oceano e de sedimentos no fundo marinho em redor da ilha, recolher amostras de água doce e de solos na ilha e também no continente para melhor estimar as quantidades de carbono que se libertam por fusão do permafrost, medir in-situ as características espectrais da vegetação para depois comparar com várias imagens de satélite e também com as imagens aéreas hiperespectrais captadas com os voos do avião POLAR-5 do AWI, estimar a quantidade e tipo de sedimentos em suspensão no oceano e como se relacionam com as cores observadas nas imagens de satélite e também medir a altura das ondas no oceano de forma a avaliar melhor o seu impacto na erosão costeira. Como rapidamente se percebe a multidisciplinaridade de tarefas e competências científicas é muito elevada não sendo, no entanto, uma dificuldade de maior, pois a integração de todas estas componentes é uma das principais valências do projecto Nunataryuk. As expectativas para a nossa primeira campanha num terreno que não conhecíamos eram bastante elevadas e, como se verá em seguida, não saíram defraudadas! Pedro Pina e Gonçalo Vieira Nuntaryuk #03: Fase 2 – Ilha Qiqiktaruk (ou Herschel)Partimos para a ilha Qiqiktaruk no dia 23 de Julho com um ótimo tempo. A viagem desde Inuvik, feita num pequeno avião Twin Otter, durou uma hora e picos e permitiu observar a fantástica paisagem estival do Ártico, em especial a do delta do rio Mackenzie e também verificar, já no oceano, que a quantidade de gelo nesta altura do ano era bem maior do que em anos anteriores. Depois do avião aterrar numa pequena faixa de terreno da ilha, verificámos que a anormal temperatura de cerca de 20 ºC nos permitia andar pouco agasalhados a descarregar toda a carga do avião e a instalarmo-nos. Mas foi sol de pouca dura, apesar de nesta altura do ano o dia ter todas as 24 horas para si (estamos acima do círculo polar ártico, a quase 70° de latitude), pois nos dias seguintes quase sempre bastou um único dígito para registar a temperatura. O Twin Otter fez ainda durante o resto do dia mais 2 viagens até Inuvik para transportar a restante equipa de 12 pessoas envolvida nesta fase da campanha do projecto Nunataryuk, bem como toda a grande quantidade de carga de equipamento científico e também de outro tipo, assim como a comida para quase um mês. Nós só ficámos uma semana, mas os colegas que permaneceram depois da nossa partida, bem como outros que se vieram juntar depois, tinham de ter mantimentos para todo esse período. No primeiro longo dia, só deu mesmo para nos instalarmos, mas nos seguintes começámos a voar o nosso drone eBee plus. Foram 3 dias de voos muito bem-sucedidos, apesar da meteorologia instável e de a chuva ter aparecido com alguma frequência. Começámos por levantar toda a zona mais baixa em redor de onde estávamos instalados e que constitui o pequeno aglomerado de edifícios recuperados (casas de habitação, casa comunitária com um pequeno museu, armazéns ou oficinas) e que eram essencialmente habitados pela comunidade envolvida na caça à baleia em finais de século XIX e inícios do século XX. Para além disso, efetuámos também, junto à costa oeste da ilha, o levantamento dos enormes deslizamentos retrogressivos resultantes da fusão do permafrost. Após os regressos diários à ‘base’ fomos pré-processando todas as imagens de forma a avaliar rapidamente a sua qualidade. Fomos verificando com satisfação que estávamos a obter imagens de muito elevada qualidade que dão a garantia de depois podermos construir mosaicos de imagens e modelos de elevação de resolução centimétrica. Estes produtos permitirão analisar com bastante mais pormenor as características destes deslizamentos, servindo também como informação de referência para comparações resultantes de levantamentos futuros. A partir do dia seguinte, 28 de Julho, iríamos novamente mudar de poiso. Pedro Pina e Gonçalo Vieira Nuntaryuk #04: Fase 3 – Linha de costa do YukonNesta nova fase da campanha tivemos como objectivo voar o drone em vários sítios da costa canadiana que são monitorizados há vários anos pelo Geological Survey of Canada (GSC), distando cerca de 200 km entre os seus pontos mais extremos, ou seja, desde a fronteira com o Alasca (EUA) mais a Oeste até King Point mais a Este. A deslocação a partir de Herschel, mais ou menos situada a meio entre os dois locais extremos, foi efetuada de helicóptero. A partir daqui passámos também a contar com a preciosa colaboração de colegas do GSC nas tarefas de campo. Tínhamos previsto 3 dias para estes levantamentos costeiros, mas que, devido ao mau tempo com muita chuva e nevoeiro denso, acabaram por ficar reduzidos a 2 dias. A pressão para fazer o mesmo em menos tempo aumentou naturalmente. No primeiro dia de bom tempo voámos para Oeste e até à fronteira com o Alasca regressando a Herschel para dormir no fim de um dia que acabou por ser extraordinariamente longo. Apesar de termos levantado voo de Herschel relativamente cedo e de termos aterrado no primeiro sítio escolhido (Komakuk), tivemos de esperar algumas horas para que o nevoeiro que, entretanto, se tinha instalado, desaparecesse de vez. Refira-se como curiosidade que Komakuk, assim como Stokes onde aterrámos mais tarde, é o local de uma antiga estação da linha DEW (Distant Early Warning Line) que integrava o conjunto de estações radar instaladas pelos EUA e Canadá nos finais da década de 1950 ao longo de todas as suas costas do Ártico para detetar eventuais invasões áreas no âmbito da guerra-fria. Depois de algumas nebulosas horas, as previsões meteorológicas de bom tempo confirmaram-se e o dia tornou-se verdadeiramente espetacular (céu limpo e bem azul e sem vento algum). Fizemos o primeiro voo por volta das 17h locais, tendo depois conseguido ir a todos os outros sites previstos para voar o drone, mas num período que se prolongou até cerca da meia-noite. São as vantagens de aqui não termos noite nesta altura do ano. Para além da permanente e enorme presença de mosquitos e de outros bem incómodos insetos (usar redes protetoras e um repelente adequado é obrigatório), é também fundamental estar sempre alerta em relação à presença de ursos. Há sempre alguém com uns binóculos em permanente vigilância, mas felizmente não houve encontros a reportar. Regressamos bastante satisfeitos a Herschel onde pernoitamos, para continuarmos o mesmo tipo de levantamentos noutros locais no dia seguinte. E assim foi, no segundo dia fomos voando para Este até King Point, parando em vários sites junto à costa para voar o drone e efetuar também outro tipo de medições. As deslocações de helicóptero a relativamente baixa altitude ao longo da linha de costa permitiram-nos observar a elevada e acentuada erosão em muitos dos seus sectores. Depois de vários voos bem-sucedidos, começou a chover no último site escolhido. Foi o suficiente para darmos o nosso trabalho nesta fase como concluído. Desta vez já não voltámos a Herschel, regressando diretamente a Inuvik, pois no dia seguinte teríamos um novo tipo alvo para sobrevoar. Para além de voarmos o drone com um grande sucesso, também coletámos inúmeros pontos de controlo com DGPS nos vários sites costeiros, assim como efetuámos o levantamento de transectos ao longo da costa para comparar com dados existentes de anos anteriores. Adicionalmente, de forma a fornecer pontos de controlo precisos para os levantamentos a efetuar pelo avião POLAR-5 construímos várias marcas de grande dimensão com troncos de árvores existentes nas praias (‘driftwood’) e das quais medimos as respetivas coordenadas. Pedro Pina e Gonçalo Vieira Nuntaryuk #05: Fase 4 - Povoação de TuktoyaktukPor fim, na última fase da campanha, deslocamo-nos de carro de Inuvik até Tuktoyatuk, que quase todos nós abreviamos convenientemente para ‘Tuk’. Ao longo dos 140 km da novíssima estrada desta região, inaugurada no mês de Novembro de 2017, fomos observando que as árvores iam escasseando até naturalmente desaparecerem de vez da paisagem. Tendo as autorizações necessárias das autoridades locais para sobrevoar a recortada povoação costeira de Tuk com o drone metemos ‘asas’ à obra, conseguindo em pouco mais de 2 dias de muita e intensa atividade cobrir praticamente toda esta área habitada por cerca de 900 pessoas. Mais uma vez o trabalho foi muito intenso, mas a enorme quantidade de excelentes dados deixou-nos a todos muito satisfeitos. Achamos que estes dados poderão ser aplicados diretamente em ações de mitigação da erosão costeira e de perigosidade de inundações, visto irem dar origem a um modelo digital de elevação bastante preciso de toda a área bem como a um levantamento pormenorizado de grande parte das infraestruturas de Tuk. Depois desta nossa primeira experiência no Ártico Canadiano Ocidental, podemos afirmar que foi excecional a todos níveis, quer científica quer pessoalmente. A abordagem integradora interdisciplinar do projecto Nunataryuk, que junta investigação fundamental com investigação aplicada, permitirá certamente gerar resultados relevantes durante a sua execução. Após esta primeira campanha que nos permitiu ter um conhecimento bastante mais adequado da região, iniciámos já as tarefas de modelação 3D e de análise dos dados, desenvolvendo novas ideias para envolver novos estudantes nas atividades de investigação do projecto Nunataryuk.
Pedro Pina e Gonçalo Vieira
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