DIÁRIOS DE CAMPANHA PROPOLAR 2017-18 |
Pedro Pina, base King Sejong, Antártida, 17 de Fevereiro de 2018 As fantásticas condições da base King Sejong tornam a nossa estadia na Antártida ainda mais agradável. Já tinha falado num post anterior do novo edifício da base que viemos estrear, onde ficam os quartos para cerca de 60 pessoas, e também os seus vários laboratórios, mas ainda faltava falar de algo muito invulgar nas bases antárticas. Quase todos os módulos mais antigos da base, inaugurada em 1988, foram desmontados com a construção do novo edifício. Mas houve um que resistiu, qual aldeia gaulesa, sendo aproveitado para um pequeno mas muito interessante museu que descreve a história da base King Sejong mas sobretudo as actividades e colaborações científicas da Coreia do Sul e do KOPRI-Instituto Polar Coreano nas regiões polares. E visitando o museu, fica muita clara a estratégia de longo-prazo que conceberam e que têm vindo a implementar ao longo dos anos de uma forma muito sólida e já com alguns marcos significativos: 2 bases na Antártida, 1 base no Ártico, 1 navio polar. Que é reforçada pela crescente colaboração internacional em várias áreas científicas e em que Portugal, através do PROPOLAR, ocupa um lugar de destaque, tal como pude verificar num dos painéis do museu. Também apanhámos (ou fomos apanhados pel’…) o Ano Novo Coreano, de 14 para 15 de Fevereiro. Todos os 8 não coreanos que aqui estão (de nacionalidades portuguesa, norte-americana, brasileira e chilena) participaram nas suas tradições, cozinhando em conjunto na véspera de Ano Novo várias comidas para o dia seguinte. Mas não só cozinhamos como fomos provando um pouco de tudo o que ia estando pronto. Uma excelente tarde! Por fim, e no dia de Ano Novo Coreano, em que todos ficámos descontraidamente na base, ainda deu para ver um eclipse parcial do Sol. Não deu para ver logo logo, pois não estávamos preparados para olhar directamente para ele. Mas assim que construímos uns filtros, com o devido apoio clínico da Hanna, a médica da base, deu para ver que faltava mesmo um bocado ao Sol… E os filtros que serviram para os nossos olhos também se adaptaram às máquinas fotográficas e telemóveis, pois então. O nosso segundo ano novo em mês e meio, não podia ter começado melhor!
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Sandra Heleno, base King Sejong, Antártida, 13 de Fevereiro de 201 Nunca vamos desacompanhados, eu e o Pedro, nas nossas caminhadas na península de Barton. A presença mais constante é a das skuas (ou moleiro antárctico, no português). Normalmente amigáveis e curiosas, transformam-se em verdadeiras “guerreiras” se inadvertidamente nos aproximamos dos seus ninhos, “atacando” em voos picados e persistentes. Também impressionante, apesar do seu pequeno tamanho, é a investida das andorinhas do árctico, não só pelo piar estridente, mas porque não largam o alvo (nós!) durante largos minutos. Estas pequeninas aves, com pouco mais de 100 gr, voam dezenas de milhares de quilómetros na sua migração anual entre o Árctico e a Antárctida. Não admira que defendam ferozmente os seus ninhos: atacam frequentemente as skuas, de muito maior envergadura, e são as únicas aves que se aproximam do nosso drone em voo. Nas praias, o companheiro mais fiel é naturalmente o pinguim. Aqui em Barton podemos encontrar o “gentio” e o “pinguim de barbicha”. Os mais jovens são muito curiosos e sociáveis! Parecem muito interessados em nós e nas nossas actividades, chegando a correr em grupo na nossa direcção! O petrel-gigante é outra ave marinha que avistamos com alguma frequência, normalmente em voo nas zonas próximas do mar. Por vezes encontramos ninhos de petrel no nosso caminho, com crias ainda muito pequeninas. Na nossa experiência o petrel-gigante é um animal calmo: reservado, mas não assustadiço. Mais raro é o avistamento da pomba-antárctica: vimos um casal de pombas uma vez somente, na praia, e para nossa surpresa vieram a caminhar atrás de nós depois da “sessão de fotografia”! Mais uma ave sociável de Barton! Pedro Pina, Base King Sejong, Península Barton, Antártida, 10 de Fevereiro de 2018 Nalguns dias, ou de pior tempo ou depois de fazermos os nossos voos, foi possível procurar alguns sensores que tínhamos combinado recolher e que o nosso colega João Branco do IGOT cá tinha instalado numa campanha anterior, em 2015, para monitorizar temperaturas do ar e do solo. Por vezes não encontramos logo o sensor que está ligeiramente enterrado porque, apesar de termos as suas coordenadas GPS a sua precisão é métrica, e a estaca de cor berrante que supostamente estaria próxima a marcar a sua localização se encontra solta e a uns bons metros de distância do ‘X’ digital. Mas com alguma paciência, e picando o solo, acabamos por ouvir a chapa metálica que protege o sensor. Eureka!
É normalmente no regresso à base, sentindo-me mais leve (ou aliviado…) se o dia de trabalho correu bem, apesar de carregado de mais uns milhares de novas imagens dos voos, que mais me apetece fotografar. É que não me canso de apanhar as fantásticas paisagens, os animais ou pormenores da vegetação, dos solos ou da neve e do gelo. Há também alguns blocos de rocha fracturados, bem granditos, que para além da sua dimensão se tornam muito interessantes para ser fotografados de vários ângulos. É que depois pode ser reconstruido a partir das fotos num detalhado modelo 3D usando os mesmos algoritmos que utilizamos para elaborar os mosaicos dos voos do drone! Pedro Pina, Base King Sejong, Península Barton, Antártida, 7 de Fevereiro de 2018 Pois é, círculos também há muitos, seu… Vasco Santana! Algo que o drone nos vai ajudando a descobrir voando baixinho. É que todos os que por aqui em Barton pululam, e são mesmo muitos, são bastante variados no seu aspecto. A dimensão média destas formas circulares naturais deverá rondar 1 metro de diâmetro, a dos mais pequenos é da ordem da meia dezena de centímetros, a dos maiores raramente ultrapassa os 2 metros. Formam-se durante dezenas a centenas de anos em zonas relativamente planas ou com declives pouco acentuados, em conjuntos de pequenas unidades (uma dezena, por vezes) ou de várias centenas ou talvez mesmo de milhares de unidades (pode ser que ainda antes da campanha fechar ainda consigamos fazer as contas sobre o maior campo de círculos daqui...). Alguns são muito perfeitos e circulares, outros mais elípticos e por vezes incompletos. Alguns são constituídos por material rochoso mais grosseiro, outros por material mais fino. Alguns estão totalmente ‘limpos’, ou seja, não estão cobertos nem rodeados por vegetação. Outros há em que os líquenes são tantos e tão densos que quase não se vêm as pedras que os constituem. E os que mais gosto são os que estão rodeados por belos tapetes verdes de musgo (suspeito que também é por depois ser mais fácil para qualquer algoritmo delinear o seu contorno na imagem…). Mas há claramente padrões espaciais de localização dos diferentes tipos de círculos aqui na Península de Barton, consoante o tipo de material rochoso, da altitude, da quantidade de água ou de humidade no solo, entre outros factores. Mas isso é o que iremos depois tentar perceber quando regressarmos a casa com as bagagens atafulhadas de novos dados. Mas para já, e depois de voltarmos à base no fim de cada saída, começamos a ‘montar’ os mosaicos de cada local, com mais de 500 imagens em cada um e com cerca de 2 mm de resolução. E não deixo de ficar espantado com os pormenores que conseguimos ver agora e que complementam as imagens captadas durante a campanha de 2016, desenvolvida pelo Gonçalo Vieira e pelo João Branco. Mas tanto umas como outras são muito importantes para os nossos objectivos científicos, as de menor resolução cobrem áreas maiores, as de maior resolução só conseguem cobrir áreas mais pequenas. Mas beneficiamos sempre de cada tipo de imagens, extraindo o melhor de cada um deles! Sandra Heleno, base King Sejong, Antártida, 01 de Fevereiro de 2018 Como o Pedro Pina bem perspectivou no seu último “post”, hoje tivemos um dia com condições excelentes para o trabalho de campo: boa visibilidade, vento fraco, e nada de chuva ou neve. Estivemos durante a manhã a organizar o nosso posto de trabalho na base, mas logo a seguir ao almoço saímos com o objectivo de adquirir imagens com o drone. Dirigimo-nos para uma área próxima da base (cerca de 1.5 km de distância) caracterizada por numerosos círculos de pedra. Nesta região temos imagens captadas por drone em 2013 e 2014, o que, esperamos, nos irá permitir detectar o movimento radial das pedras individuais que constituem os círculos (que pode atingir ~2cm/ano). Para isso necessitamos de imagens com resolução da ordem dos milímetros, o que conseguimos voando o drone a baixa altitude, e complementando com fotografia feita a partir do solo, para alguns círculos representativos. Hoje captámos um elevado número de fotografias com diferentes direcções e inclinações: cerca de 400 imagens obtidas com o drone, sobrevoando uma região de círculos de pedra com dimensões de 100x100 metros; e, para um dos círculos localizados nessa área, cerca de 40 fotos a partir do terreno. Este conjunto de imagens permite-nos criar modelos 3D destas estruturas. Foi um dia excelente. Eu, como o Pedro, estou encantada com a forma amável como fomos recebidos na base sul-coreana, e com as muito boas condições físicas, quer para trabalhar, quer para descansar ao final do dia. Já vinha com expectativas altas, mas foram claramente superadas! Pedro Pina, Base King Sejong, Península de Barton, 31 de Janeiro de 2018 E de facto assim é, já estamos em Barton! O voo de Punta Arenas até à Península Fildes na ilha de King George foi realizado no dia planeado e praticamente à hora escolhida na véspera como sendo a mais adequada. Na chegada, o tempo estava bom, tínhamos à nossa espera os nossos colegas coreanos liderados pelo chefe de base Hong Soon-Gyu para nos levar em zodiac até à Península Barton situada a cerca de 10 km de distância. Até descarregarmos as malas e equipamentos do avião, chegarmos junto à costa e encontrarmos o equipamento dos nossos colegas de Évora que tinha baixado do navio espanhol Hespérides, levantou-se um vento mais forte que fez com que no fim desta tarde o mar já não estivesse tão bom, no entanto ainda navegável e dentro de todas as condições de segurança. A existência de alguma ondulação fez com que a travessia desta baía entre as duas penínsulas, que durou cerca de 3 quartos de hora, fosse bem batida e salpicada. Foi com muito agrado que voltei a pisar Barton, onde já tinha estado em duas campanhas anteriores em 2013 e 2014. E também com surpresa, pois logo à distância consegui identificar o novo edifício da base, bem maior e bem mais moderno, que veio substituir vários módulos mais pequenos que tinham sido inaugurados em 1988. E se por fora tudo já impressionava, então por dentro não havia dúvidas que as novas condições são fantásticas, com todo o conforto e os melhores meios para se fazer investigação. Este novo edifício de 2 pisos, começou a ser construído o ano passado para ficar pronto a ser utilizado este ano. Ou seja, estamos a inaugurá-lo!
No primeiro andar estão instalados todos os laboratórios de apoio (química, biologia, geofísica), a sala da meteorologia e várias e muito espaçosas salas de trabalho. Foi numa delas que nos instalámos. No segundo piso, ficam todos os espaçosos quartos, casas de banhos e duches, uma lavandaria e também um grande espaço de convívio com sofás, máquinas de café ou micro-ondas. Apesar de praticamente operacional há ainda vários pormenores por acabar neste novo edifício, como melhorar a velocidade da internet, que continua igual a quando a base era mais pequena. Já nos confirmaram que é algo que se resolverá durante os próximos dias. Depois de termos jantado, ainda conversei um pouco com o chefe de base Hong Soon-Gyu (Hong é o apelido e Soon-Gyu o nome), um biólogo com quem colaboramos há vários anos, relativamente aos planos para a nossa campanha. É importante referir que esta base está aberta todo o ano é gerida e mantida pelo KOPRI, ficando sempre um dos seus investigadores como o chefe de uma equipa que cá fica instalada durante 12 meses. Só depois é que fui para o quarto ‘desfazer’ a mala, e com a expectativa de começarmos já a ir para a rua no dia seguinte pois as previsões davam muito bom tempo! Pedro Pina, em Punta Arenas, Chile, a 30 de Janeiro de 2018 O meu nome é Pedro Pina e sou o Investigador Principal do projecto CIRCLAR-2 apoiado pelo Programa Polar Português (PROPOLAR) e em colaboração com o Instituto Polar Coreano (KOPRI). Este projecto tem como objectivo estudar círculos de pedras, um padrão típico das regiões polares, através de imagens captadas por drones. Estas bem definidas e naturais formas são criadas pela dinâmica sazonal dos solos que vão expulsando as maiores pedras até à superfície que depois vão sendo arrumadas criando uma forma circular parecida com um bolo-rei gigante, com diâmetros da ordem de 1 metro. Para além da extensa caracterização e do interesse geomorfológico destes padrões pretendemos também perceber qual é a sua relevância para o ciclo de carbono na Terra. Depois, quando estivermos em Barton, a Península da ilha King George na Antártida Marítima onde iremos desenvolver o nosso trabalho de campo, publicaremos aqui algumas fotos ilustrativas.
A equipa no campo deste projecto é formada por mim e pela minha colega Sandra Heleno também do CERENA, do Instituto Superior Técnico. Estamos já em Punta Arenas no sul do Chile a ultimar a campanha, comprando pequenos materiais e revendo alguns dos seus protocolos, acabando normalmente por ir jantar com os nossos colegas espanhóis, tendo a estátua do Fernão de Magalhães como ponto de encontro. O embarque para a Antártida está previsto para o dia 31/Jan/2018 e será num voo fretado pelo PROPOLAR que, além de nos levar a nós e mais outros 2 colegas portugueses da Universidade de Évora, estará cheio de investigadores de muitas outras nacionalidades. É o principal contributo logístico de Portugal para a actividade científica na Antártida e que tem permitido reforçar as colaborações internacionais. Falta só acrescentar que ficaremos instalados na base sul-coreana King Sejong. Como sempre as nossas expectativas são elevadas, esperando fazer uma boa campanha e colectando uma quantidade apreciável de novos dados. Espero que o próximo post seja já escrito em King Sejong! |
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