Por Camilo Carneiro (@Camilo_Carneiro) e José A. Alves (@_JoseAAlves_) Em 2012 começou o projecto piloto que viria a dar origem ao GEOWHIMBREL. Na época de reprodução desse ano, capturamos um casal de Maçarico-galego, em que ambas as aves foram marcadas com as combinações de anilhas coloridas YY-WLf e YY-LLf (ver fotos abaixo). Embora as fêmeas de Maçarico-galego tendam a ser maiores do que os machos, existe bastante sobreposição de tamanhos e por vezes recorremos a análises de determinação molecular do sexo dos indivíduos que seguimos. Com uma pequena gota de sangue pudemos garantir que YY-LLf é de facto um macho, e que YY-WLf é, portanto, fêmea. Sabe-se que os Maçaricos-galegos formam casais que se mantêm para a vida, daí neste projecto termos investido em seguir ambos os membros de um casal, para perceber como as fases do ciclo anual fora dos locais de reprodução no ártico se processam entre indivíduos que são síncronos por algumas semanas na Islândia. Em 2013, procuramos o casal YY-WLf e YY-LLf, e, como seria de esperar, ambos regressaram e nidificaram a poucas dezenas de metros do ano anterior. Sem grande surpresa, o mesmo se passou em 2014 e 2015. Para nossa tristeza, em 2016 a fêmea não foi observada. Mas o macho YY-LLf reproduziu-se com uma fêmea que transportava uma anilha metálica! Uma vez que já muitas centenas de aves foram marcadas apenas com anilha metálica na Islândia, supusemos que aquela anilha seria islandesa, e ficamos curiosos em saber quando a ave teria sido marcada. Nesse ano tentámos capturar essa “nova” fêmea, também para a marcar com uma combinação de cores (WY-WLf) e colocar um geolocator. Quando o fizemos, e para grande surpresa nossa, esta fêmea não tinha uma anilha islandesa, e por isso a ave teria sido anilhada fora dos locais de reprodução. Depois de contactar colegas que provavelmente o teriam feito, ficamos a saber que esta ave tinha sido marcada no local de invernada, o Banc d’Arguin, na Mauritânia. Dado o que já descobrimos no decorrer do projecto GEOWHIMBREL sobre a migração e distribuição de invernada desta subespécie de maçaricos-galego (ver link para artigo com mapa no final da página), o registo não é totalmente surpreendente, mas ainda assim especial quando, no inverno seguinte, registamos essa mesma “nova” fêmea no seu local de invernada. Esta “nova” fêmea regressou à Islândia em 2017, assim como o seu companheiro e já nosso velho conhecido, YY-LLf, e reproduziram-se juntos. Nesta altura e sem ter sido avistada desde o verão de 2015 assumimos que a fêmea “original”, possivelmente teria morrido, ou dispersado para nidificar noutro local (algo que parece ser raro, mas que sabemos muito pouco). Qual não foi o nosso espanto quando em 2018, ela regressa a uma das nossas áreas de estudo e nidifica com o seu companheiro YY-LLf! Foi a quinta vez em sete anos que estes dois indivíduos se reproduziram juntos. E parece que o mesmo vai acontecer pela sexta vez, já que ambos estão de regresso ao local de reprodução neste ano de 2019. O nosso conhecimento sobre a formação de casais e divórcio nas espécies de aves migradoras, particularmente naquelas que se reproduzem a altas latitudes é ainda muito rudimentar, porque é necessário seguir os indivíduos durante uma parte significativa da sua vida, que neste caso pode ser de duas décadas. Sem apoio logístico de logo curso, que se mantenha activo durante muitos anos, desenvolver investigação sobre a ecologia de vertebrados superiores nestes locais é difícil e dispendioso. Assim, e infelizmente, estudos longitudinais são raros, apesar do seu imenso valor, principalmente na monitorização destas populações. O caso que aqui descrevemos mostra que num estudo de três a quatro anos (duração típica de um projecto de doutoramento/pós-doc/projecto de investigação), facilmente consideraríamos que os casais desta espécie são extremamente estáveis (período 2012-2015), ou que uma das fêmeas morreu (ou dispersou) e um novo casal se formou, mas que se irá manter por muitos anos (período 2014-2017). Claramente essa não é a realidade, é apenas parte dela, e uma que pode originar uma hipótese de baixo valor científico e consequentes previsões erróneas. Este verão continuaremos a marcar individualmente mais membros da população e a monitorizar as relações entre estas aves, para recolher informação sobre estes processos nas aves migradoras que se reproduzem a altas latitudes. Artigo que descreve as migrações dos Maçaricos-Galegos:
Faster migration in autumn than in spring: seasonal migration patterns and non‐breeding distribution of Icelandic whimbrels Numenius phaeopus islandicus - https://onlinelibrary.wiley.com/doi/full/10.1111/jav.01938 Ligação a notícias anteriores: GeoSpoi de volta – entre o ártico e os trópicos! Num piscar de olhos os GeoSpoi deixam o Ártico e voltam a África GeoSpoi – O terceiro verão começa! GeoSpoi – Um jogo de paciência e nervos Uma mão-cheia de dados Comemoração do Dia Mundial das Aves Migradoras na Islândia Individualidade
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