Joana Baptista, Ilha de King George, 5 Fevereiro 2020 O dia começou com céu azul, sol e uma temperatura que nos permitia roupas mais leves para a visita programada à Baía Collins onde iríamos ver o abrigo construído pelo projeto Polar Lodge. Equipados, fomos até à praia receber os raios de sol da manhã enquanto esperávamos por Isabel, a embarcação de transporte disponibilizada pelo INACH para a ligação. Após retirada dos blocos de gelo flutuante (brash) que se encontravam junto ao cais coreano com a ligeireza da maquinaria pesada e a perícia do manobrador, iniciámos a nossa viagem. Da Península de Barton até à praia na Baía Collins, demorámos 15 a 20 minutos, numa viagem sobre um espelho de água azul com os reflexos das arribas projetados. Digo 15 minutos, de forma generosa, porque a viagem pareceu um instante. Na chegada à praia, saltaram imediatamente à vista os dois pequenos módulos localizados numa pequena elevação abrigada do mar. Um, em tudo semelhante aos pequenos edifícios na Villa de las Estrellas. E, outro com uma forma circular, coberto por tecido preto, mais difícil de associar a qualquer estrutura que tenhamos visto nas redondezas. Ali estava o abrigo do projeto português Polar Lodge. Entusiasmados e curiosos com a estrutura, tivemos oportunidade de visitar o seu interior e permanecer para uma explicação dada por Manuel Guedes e Susan Roaf. A primeira impressão é referente à temperatura atingida no interior do abrigo, passível de uma permanência confortável. A segunda, diz respeito à disposição que nos transporta para uma tenda mongol, onde os tapetes dispostos no chão combinam mosaicos de diferentes geometrias. No entanto, esta não é uma tenda de cores animadas e tapeçarias multicolores. Para isso, há que observar a paisagem. Feita a visita para observação da infraestrutura e experimentado o seu ambiente, fomos convidados para um almoço na Base Chilena Prof. Julio Escudero na Península Fildes.
Entre garfadas no arroz com ervilhas e carne, foi sendo debatida a hipótese de visitar outra equipa portuguesa estabelecida na Ilha Nelson. Dependentes das condições meteorológicas, definimos uma visita breve, a realizar pouco tempo após o término do almoço. Embarcados novamente na senhora dos mares, Isabel, partimos, desta vez, para um mar menos azul e mais agitado por força do vento, que salpicava as nossas pequenas áreas de pele exposta. Após troca de embarcação para desembarque em menores profundidades, chegámos a uma pequena praia, onde se distribuíam pequenas estruturas de madeira de aparência gasta pelo tempo e várias tendas de cores garridas, espaço de pernoita dos habitantes quase ermitas da ilha. Reencontrados com Paula Matos, Bernardo Rocha e a equipa checa, fomos levados numa visita pelo local, de história sui generis, acompanhados por um pequeno brinde feito num único copo de uma substância dita caseira. Divididas as nacionalidades, fomos num passeio entre trilhos inexistentes ver aquela que é a praia mais bonita para os habitantes temporários da ilha. Feito o acompanhamento dos trabalhos de campo, regressamos à Base King Sejong Station para a preparação de mais um dia na campanha PERMANTAR.
1 Comentário
Joana Baptista, Ilha de King George, 1 Fevereiro 2020 Motivados pelos resultados obtidos da perfuração, hoje preparámo-nos para a caça ao tesouro. Não somos exploradores de epopeias enviados por grandes impérios. Somos os otimistas que um ano antes instalaram 20 sensores enterrados no solo e totalmente invisíveis, para registarem temperaturas em áreas onde pistas ao estilo Steven Spielberg em Indiana Jones, são inexistentes. Para nós, estavam disponíveis coordenadas aproximadas GPS e pequenas mariolas edificadas aquando da instalação, mas sem a certeza de que iriam resistir aos ventos e à neve do inverno. Não discutimos a eficiência de cada método, até porque, não seria interessante ter uma rocha com qualquer forma animalesca a indicar a localização?
Os sensores foram instalados na península de Barton de acordo com diferentes fatores geográficos de que são exemplo a altitude, exposição e topografia, para melhor identificarmos a influência destes nos regimes térmicos do solo. Enterrados a 2 cm abaixo da superfície distribuíam-se por uma área de aproximadamente 1 km2. Com percurso de busca definido nos headquarters, saímos na expectativa de conseguir encontrar cada placa enterrada. Aqui reconheço que a experiência e idade de uns promovessem uma maior tranquilidade e positivismo face ao receio de outros. Ao fim de percorrer os 13 pontos estipulados no percurso, caminhávamos com 13 placas adicionais nas nossas mochilas. Cada uma com a feição do tipo de superfície onde tinha sido instalada, mas bem conservadas e, no essencial, sem indícios preocupantes de ferrugem ou dano. Bons indicadores para a possível sobrevivência dos sensores, a cujos dados só poderíamos aceder no laboratório da base. Estabelecidos no excelente laboratório cedido pelo KOPRI, começámos por dispor as placas na mesa para retirar de forma ordenada os sensores e fazer a sua leitura no programa -OneWireView. Nos primeiros segundos sofremos um pequeno impasse até recordar as particularidades do software e conseguir aceder aos dados, não fazendo caso da mensagem de erro no separador de abertura. Todos os sensores recolhidos estavam operacionais e foram fornecedores de séries de dados de temperatura do solo (próximo da superfície) correspondentes a 11 meses, com medições a cada 3 horas. Nos próximos dias, esperamos recolher os restantes 7 sensores, assim que a previsão seja favorável. Joana Baptista, Ilha de King George, 31 Janeiro 2020 A programação feita à chegada antevia este como um dia cheio de atividade. Para além da vontade que tínhamos em revisitar o local da perfuração, era necessário proceder à caracterização de amostras dos mantos de neve (neveiros) presentes na península de Barton, de modo a calibrar os dados de uma imagem de satélite Sentinel-1 (radar), cuja recolha estava prevista para esse mesmo dia. Os dados recolhidos, incidiram na medição da dimensão do neveiro e na caracterização da neve (estratigrafia, temperatura, densidade e dimensão dos cristais). Assim, em cada neveiro que se cruzava no nosso caminho foram marcados pontos delimitativos e um central, onde procedíamos à amostragem num pequeno buraco. Aí, escavávamos a neve até atingirmos um horizonte de gelo compacto, de re-congelação. De seguida procurávamos a existência de horizontes definidos na parede vertical do buraco, embora nos casos estudados, fossem praticamente inexistentes. Assim, concentrámo-nos na medição da densidade da neve e na descrição dos agregados na camada superficial, acompanhada com a observação à lupa dos pequenos grãos que já se encontravam em fusão e da medição da temperatura da neve, que estava sempre próxima de 0ºC. Analisados dois neveiros, fomos caminhando entre os pequenos blocos convertidos em peças de puzzle (superfícies de clastos fragmentados), até que ao longe avistámos a resistente estação de medição de temperaturas do ar, nas imediações da perfuração para monitorização do permafrost, que instalámos na campanha anterior. Esta, tinha resistido ao inverno e às intempéries distantes da nossa latitude de residência.
Quase descansados pela aparência sólida do equipamento, apressámos o ritmo na procura de indícios que confirmassem a integridade do furo. Após procedimentos metódicos que não comprometessem nada, ligamos o computador e o modem wifi e estabelecemos a ligação aos data loggers, na expectativa de ver os primeiros registos de dados. Sustivemos a respiração envoltos no silêncio proporcionado por aquele local onde um ano antes um gerador conduzia o ritmo das atividades pesadas e impedia qualquer noção de quietude. - “Temos dados! Temos dados de temperaturas ao longo de 13 metros de profundidade livres de falhas.” - Imaginem a felicidade, imaginem sobretudo que após 10 dias de trabalho de perfuração digno de titãs realizado no ano anterior e um ano de espera, chegamos a este local isolado onde apenas gaivinas e skuas disfrutam dos dias e recolhemos todos os dados com sucesso. Incontornavelmente felizes e sem tempo para maiores contemplações prosseguimos a jornada entre neveiros até chegar à base. Não tinha mencionado, mas era sexta-feira, dia de barbecue na base. Que melhor forma há de festejar? Joana Baptista, Ilha de King George, 30 Janeiro 2020 Com o despertar para a alvorada, demos os últimos retoques nas malas de viagem de forma a compactar e verificar todo o equipamento necessário para a campanha. Este ano menos pesado e menos mecânico, o equipamento era composto por pequenos instrumentos de medição (balança e termómetro) e alguns equipamentos de substituição ou manutenção dos instalados na campanha anterior. Terminadas as últimas verificações das malas, partimos em direção ao aeroporto para um voo que torcíamos para que fosse livre de imprevistos e atrasos. Já no ar, sobrevoámos o manto de nuvens que estabeleceu de forma persistente a ligação entre Punta Arenas e a ilha Rei Jorge limitando o bom apreciar das “vistas”. Aterrados no aeroporto Teniente Rodolfo Marsh Martin, na azáfama habitual, vimos de longe os que partiam da terra inóspita, e os que se tentavam organizar numa diversidade linguística enriquecida com a sonoridade dos motores das aeronaves.
Encaminhados para um veículo próximo, fomos guiados até à praia onde a embarcação Sejong II nos levaria até à Península de Barton e à Base Antártica Coreana. Na embarcação, partilhámos a viagem com um grupo de jovens estudantes do ensino secundário coreanos que estavam de visita. Na sua timidez enraizada, foram esboçando leves sorrisos e oferecendo bolachas a dois estranhos deslocados num idioma de difícil pronuncia. Chegados ao cais, foi o momento de subir as escadas que pareciam mover-se mais do que o barco, até chegar a terra firme. Agora, é momento de prepararmos as tarefas para os dias seguintes, de acordo com as previsões meteorológicas e o apoio do Roadsky, meteorologista da base. Gonçalo Vieira, Ilha de King George O projeto PERMANTAR – Permafrost e alterações climáticas na Península Antártica Ocidental, está de novo no terreno para mais uma campanha. O nosso objetivo principal é caracterizar o estado térmico do permafrost, a sua distribuição e sensibilidade climática. Para isso, mantemos na região uma rede de perfurações no solo onde medimos as temperaturas até profundidades que superam a dezena de metros. Estes observatórios são acompanhados da monitorização de outras variáveis, como sejam a temperatura do ar, humidade relativa, vento, radiação solar e a neve, quer através de estações meteorológicas, quer usando técnicas de deteção remota. As mudanças no permafrost da Antártida são especialmente importantes pelos seus efeitos na dinâmica hidrológica superficial e nos fluxos de nutrientes, com potenciais impactes nas comunidades vegetais, mas ainda para a erosão dos solos, instabilidade de vertentes e impactes nas infraestruturas. Apesar de ser uma das Variáveis Climáticas Essenciais (ECVs) da Organização Meteorológica Mundial, o permafrost é das mais difíceis de caracterizar, pois é um fenómeno subsuperficial e que muito dificilmente se observa diretamente. Por isso, no projeto PERMANTAR, usamos uma análise interdisciplinar e colaboramos também com outros projetos parceiros financiados pelo PROPOLAR e integrados no novo Colégio Universidade de Lisboa para o estudo de Ambientes Polares e Extremos (Polar2E).
Na campanha de 2019-20, o PERMANTAR tem a equipa financiada pelo PROPOLAR a trabalhar na Base Coreana King Sejong, na Península Barton (ilha de Rei Jorge), onde estamos a continuar os trabalhos iniciados na campanha passada, associados a uma nova perfuração de 13 m que aqui instalámos. Serão estas atividades que daremos conta neste diário de campanha, através dos relatos da Joana Baptista, estudante de mestrado do IGOT, que está comigo (Gonçalo Vieira) até ao dia 12 de fevereiro. Mas as atividades do PERMANTAR na presente campanha, são bastante mais amplas, com as seguintes equipas a colaborar no terreno:
O projeto PERMANTAR 2019-20 não seria possível sem o apoio do Programa Polar Português, Korean Polar Research Institute, Programa Polar Espanhol, Instituto Antártico Chileno, Instituto Antártico Argentino e NSF/USAP (Palmer Station), organizações a quem agradecemos sinceramente. Mais informações sobre o projeto em http://permantar.weebly.com Twitter: https://twitter.com/polar_zephyrus |
DIÁRIOS DE CAMPANHA
|