Diana Martins e Pedro Freitas, Ártico Canadiano, Agosto de 2022 Olá! O meu nome é Diana Martins e sou estudante de mestrado em Geografia Física e Ordenamento do Território, no IGOT – ULisboa. Juntamente com o Pedro Freitas, estudante de doutoramento em Geografia nessa mesma Instituição, iremos contar-vos a aventura que foi a nossa campanha ao sub-Ártico Canadiano! A nossa campanha foi realizada no mês de agosto de 2022, no âmbito do projeto Thawpond, tendo sido financiada pela Fundação para a Ciência e a Tecnologia através do Programa Polar Português. O objetivo foi o estudo da variabilidade biogeoquímica de lagos termocársicos, bem como melhor compreender os fatores que controlam tal variabilidade, como o tipo de solo, coberto vegetal e as formas de relevo. A investigação realizou-se em áreas próximas de duas comunidades Inuíte (Kuujjuarapik e Umiujaq), em Nunavik - no norte do Quebeque no Canadá. A partida de Portugal deu-se no dia 8 de agosto, com destino a Montreal, no Quebeque. Dois dias depois, partimos para Kuujjuarapik – Whapmagoostui (55° N), ou assim pensávamos! Como nem tudo corre como planeado (muito menos no ártico e sub-ártico!), não foi bem isso que aconteceu! Nesse dia, tal como em muitos outros, a meteorologia não se encontrava a nosso favor, não tendo sido possível lá aterrar, apresentando-se Umiujaq, a 56° N, como possível solução, por ser a comunidade mais próxima. No entanto, tal como ouvimos várias vezes durante a campanha “quando o tempo em Kuujjuarapik está mau, em Umiujaq está ainda pior”, o que levou a que o piloto nem sequer tentasse aterrar em Umiujaq. Aterrámos numa comunidade bastante mais a norte, Inukjuaq, a 58° N. As circunstâncias obrigaram-nos a lá permanecer por 2 dias. 1. Kuujjuarapik - Whapmagoostu
Finalmente, o tempo deu tréguas. Na tarde de 12 de agosto, chegámos à Estação de Investigação do Centro de Estudos Nórdicos (CEN) - Universidade de Laval, em Kuujjuarapik – Whapmagoostui. Esta é uma vila que se divide em duas comunidades: Kuujjuarapik e Whapmagoostui. A primeira constitui uma comunidade Inuíte, e a segunda uma comunidade Cree, cada uma delas com os respetivos serviços e infraestruturas, sendo, também a fronteira regional entre os territórios respetivos. Observa-se, assim, uma área urbana bastante particular, com serviços e infraestruturas semelhantes e relativamente próximas (2 quartéis de bombeiros, 2 câmaras municipais, 2 quartéis da polícia), mas sem qualquer delimitação clara da fronteira entre as duas comunidades.
2. O Ambiente na Estação
O CEN detém um conjunto de estações de investigação distribuídas por Nunavik, sendo a de Kuujjuarapik – Whapmagoostui a de maior dimensão. Foi, também, nesta onde reencontrámos os nossos colegas do Departamento de Engenharia Química do Instituto Superior Técnico: o Professor João Canário, membro do Projeto Thawpond, a Beatriz Martins, estudante de doutoramento em Engenharia do Ambiente, e o Rodrigo Dias, estudante de mestrado em Biotecnologia, que se encontravam a estudar o teor de mercúrio presente nos lagos de termocarso de uma das áreas de estudo que visitámos. Sendo a minha primeira campanha de campo fora de Portugal, e a minha primeira experiência em estações de investigação, devo dizer que este primeiro embate, apesar dos contratempos, foi sem dúvida, muito positivo, tendo marcado o ponto de partida para uma campanha de campo inesquecível! Apesar de, quando chegámos, a base estar a atingir a capacidade máxima – alcançada 2-3 dias após a nossa chegada –, o ambiente era de amizade e entreajuda. Grande parte das pessoas presentes eram professores, investigadores e estudantes de mestrado ou doutoramento, com os quais partilhávamos todos os espaços da base. Todos estes acabaram por se tornar caras conhecidas e amigas, que queríamos sempre voltar a ver ao fim de um dia no campo, tanto pelas relações que se iam criando, mas também por ser um sinal de que tudo tinha corrido bem. Uma refeição quente, uma pequena troca de palavras sobre como correu o dia, são coisas que nem sempre valorizamos no dia a dia, mas que se tornam preciosas quando chegamos estafados e, por vezes, desmotivados, porque as coisas não estão a correr como queríamos. 3. Trabalho de campo em Kuujjuarapi
Sendo as áreas de estudo afastadas da estação, sem qualquer acesso por via terrestre, partilhámos um helicóptero com as restantes equipas. Partíamos por volta das 8h da manhã, rumo à área de estudo escolhida para o dia. Regressávamos à estação por volta das 19h. Mas o trabalho não terminava, dando lugar a filtrações de amostras de água, carregamento de baterias e à preparação do trabalho para o próximo dia.
A primeira área de estudo que visitámos foi o fundo de vale do rio Sasapimakwananisikw (SAS), onde trabalhámos no dia 13, com a companhia do Professor João Canário, da Beatriz e do Rodrigo, e, sozinhos, no dia 16 de agosto. Esta é uma área relativamente ampla, onde se observam diversas palsas (montículos de solo congelado) e ocorre a formação de novos lagos de termocarso rodeados por material turfoso. A vegetação presente é predominantemente rasteira (musgos e gramíneas) e arbustiva, observando-se ainda algumas coníferas ao longo das vertentes pouco declivosas do vale.
Nos dias 14 e 15, realizámos trabalho de campo em KWAK. Esta é uma área bastante diferente de SAS, apresentando solo mais desenvolvido, onde, nos últimos anos, se têm verificado intensos processos de arborização (crescimento e densificação de comunidades arbustivas). Em 2017, quando o Pedro visitou a área pela primeira vez, caracterizou-a como impenetrável, mas afinal não é bem assim! Como gostamos de desafios, embrenhámo-nos pela floresta de arbustos - com gás pimenta como medida de segurança contra animais selvagens, como os ursos - com o objetivo principal de amostrar os lagos. Os arbustos, muitas vezes apresentando alturas superiores a 2 metros, tornavam a nossa perceção do espaço quase impossível, sendo extremamente fácil perdermo-nos. Este obstáculo foi ultrapassado com recurso a um GPS externo para posicionamento constante em tempo-real, uma aplicação móvel e ortomosaicos de ultra-alta resolução obtidos pelo Professor Gonçalo Vieira em 2015. À custa de um cantil perdido, de uma rede de mosquitos rasgada e da preciosa ajuda da Beatriz, que nos acompanhou no campo no dia 15, conseguimos desbravar e explorar a área! Apesar do esforço, conseguimos cobrir o máximo de área possível, e obter dados de lagos que nunca pensámos conseguir alcançar, o que foi uma agradável surpresa.
Em ambas as áreas, realizámos levantamentos de drone com o DJI Inspire 2, equipado com a câmara multiespectral Micasense RedEdge-MX Dual Camera System, com 10 bandas: coastal blue, blue, duas bandas que correspondem ao verde, duas bandas que correspondem ao vermelho, três bandas que correspondem ao red edge e uma banda que corresponde aos NIR. Isso permitir-nos-à proceder à caracterização dos lagos, mas também da vegetação e da geomorfologia das duas áreas. Para completar e validar os dados recolhidos com o drone, utilizámos um espectrómetro de campo para a obtenção de dados in situ de reflectância, absorvância e cor da água dos lagos. Foram igualmente recolhidas amostras de água para posterior tratamento em laboratório, através de técnicas de espectroscopia e espectrometria. Complementarmente, uma sonda multiparamétrica foi utilizada, por forma a avaliar parâmetros como o pH, oxigénio dissolvido, sólidos totais suspensos, entre outros parâmetros. Alguns lagos foram ainda testados ao nível da concentração de Fe II, através da utilização de ferrozina, enquanto proxy do oxigénio, o que permitiu observar o papel da produção primária na oxigenação dos lagos. Acontece que no inverno estes lagos encontram-se em condições anóxicas, devido ao isolamento da atmosfera pela camada de gelo superficial. Esta simples análise permitiu constatar que muitos destes lagos permanecem anóxicos durante grande parte do verão, favorecendo processos de metanogénese, isto é, a produção de metano por parte de bactérias Archaea - seres unicelulares muito ativos neste tipo de lagos.
4. Chegada a Umiujaq
Olá! Daqui Pedro Freitas, para continuar a documentar a nossa fantástica campanha ao sub-Ártico Canadiano, desta vez focando-me em Umiujaq. O voo de Kuujjuarapik – Whapmagoostui para Umiujaq faz-se em apenas 30 minutos. A estadia inicial em Umiujaq estaria prevista para os dias 20 a 26 de agosto. No entanto, o tempo agreste em Kuujjuarapik – Whapmagoostui, caracterizado por nevoeiro e muito vento, provocou um atraso de dois dias na nossa viagem, sendo que aterrámos em Umiujaq só no dia 22. Como resultado deste contratempo, o trabalho desenvolveu-se apenas no vale de Tasiapik, deitando por terra a ambição de um trajeto a pé até uma nova área de estudo, e que, segundo a análise de imagens de satélite, releva uma grande diversidade de propriedades óticas nos lagos. A atratividade deste vale tem que ver com a presença de lagos e a sua proximidade à comunidade, estando ligado à mesma por uma estrada, ao contrário das áreas de estudo anteriores que apenas eram acessíveis de helicóptero. Este vale glaciário, caracterizado por substrato essencialmente arenoso de origem marinha e solo pouco desenvolvido, pouco revela sobre o processo de formação dos lagos e muito nos questiona sobre o facto de alguns deles serem ou não termocársicos. Esperamos que os dados recolhidos nesta campanha permitam perceber melhor esta e outras questões relacionadas com a sua formação e evolução na paisagem.
5. O trabalho de campo em Umiujaq
Realizado o reconhecimento da área de estudo, na tarde do dia 23 de agosto, depois de termos oferecido ajuda à equipa científica anterior para se deslocar ao aeroporto, de abastecermo-nos de comida e de reunirmos com o Mayor de Umiujaq, Davidee Sappa, o trabalho de campo de campo arrancou a todo o gás nos dias 24 e 25 de agosto. Tal como nas restantes áreas de estudo, começámos pela recolha de amostras de água e utilização de sonda multiparamétrica nos lagos. Estes, não são apenas "ilhas ao contrário", são também um registo da paisagem e do que nela se passa. A recolha pontual de dados da água acompanhada de levantamentos da vegetação e da geomorfologia. Por ser necessária uma autorização especial para voar o drone neste vale, por se situar dentro dos limites das 3 milhas do aeródromo, não nos foi possível o levantamento multiespectral da área de estudo. Este vale mostrou-nos ainda o quão é difícil trabalhar no mesmo, apresentando frequentemente nebulosidade atmosférica, vento forte, constante e frio, fatores que impossibilitaram a utilização do espectrómetro de campo. Não obstante as condições adversas em algumas situações, gerimos as atividades por forma a fazer valer o tempo ao máximo, amostrando-se um total de 45 lagos! Tal como espectávamos, este vale deixou-nos cientes da dificuldade na deteção remota de pequenos lagos, muitos apresentando água translúcida, fruto das características locais e, por conseguinte, revelando os efeitos do seu fundo na reflectância. Estes, são efeitos muito difíceis de contornar em análises regionais de pequenos corpos de água, aspeto que revela também a importância da realização de trabalho de campo e da utilização complementar de técnicas laboratoriais.
6. A estação de Umiujaq
A estação de Umiujaq é bastante pequena, sendo uma das mais pequenas do CEN, prevendo-se, contudo, a sua ampliação nos próximos anos. Como resultado dessa circunstância, é raro diferentes equipas conseguirem estar na estação em simultâneo. Neste sentido, após a partida da equipa anterior, a estação estava totalmente disponível para a nossa atividade científica. E ainda bem, porque as filtrações, para além de barulhentas, foram um "custo fora de horas!". Acontece que a estação não tem um laboratório, e muitas dessas atividades têm de ser realizadas na cozinha e na sala. O sistema de filtração das amostras de água utilizado por nós aproveita a água e pressão da torneira para criar vácuo. No entanto, os recursos hídricos da estação estão limitados a um tanque de 300 litros! Neste sentido, só através da constante reutilização da água, com o reenchimento do tanque, foi possível filtrarmos todas as nossas amostras e procedermos ao seu armazenamento nas frações corretas e respetivos filtros.
Não obstante, é sempre especial regressar a Umiujaq. O pôr do sol, mesmo em frente à estação, tem um encanto único e há sempre a possibilidade de ver uma ou outra aurora boreal ao cair da noite. No final, só resta mesmo rezar para que o nevoeiro não atrapalhe a viagem de volta ao nosso destino – neste caso, Montreal, algo que voltou a acontecer. Mas finalmente, no dia 27 de agosto partimos, deixando para trás uma sensação de campanha bem-sucedida.
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