A CAMPANHA
PROPOLAR 2011-2012
Novembro de 2011 a Abril de 2012
PROPOLAR 2011-2012
Novembro de 2011 a Abril de 2012
PARTE 1 Desde manhã que esperavamos a chegada do navio americano Lawrence P. Gould, que nos levará numa viagem de três a quatro dias através da Passagem de Drake, até Punta Arenas. O navio ancorou agora frente à estação americana Pieter Lenie, mais conhecida por cá como Copacabana pela sua localização numa longa e bonita praia... de musgo e seixos rolados, e tão frequentada como a sua homónima brasileira, mas por milhares de pinguins. Ao contrário de Arctowski e a malograda Ferraz, Copacabana é uma estação sazonal para monitorização de aves, pinguins, petréis e moleiros e o navio vem fechar a estação, recolher cientistas e equipamento. Depois de finalizadas as tarefas em Copa, o Gould aproximar-se-á do interior da Baía do Almirantado e alguns membros da tripulação virão visitar a estação, e nós vamos aproveitar a boleia. O Gonçalo Vieira vem a bordo, desde a Estação americana de Palmer, e talvez nos possa visitar aqui em Arctowski. Ao contrário do esperado esta espera dá-nos tempo para uma última refeição com o pessoal da 36ª Expedição Antárctica Polaca, o nome algo pomposo que designa aqueles que vão invernar em Arctowski, sete no total este ano, e os restantes habitantes que partirão dentro de duas a três semanas no navio Polar Pioneer, que serve logisticamente Arctowski com equipamento, combustível e pessoal duas vezes por ano. Esse era supostamente o nosso transporte mas uma mudança de rota e escalas, de Mar Del plata na Argentina para Port Stanley nas Falkland, impede-nos de utilizar as ligações aéreas para regressar a Portugal. Assim esta é para nós uma manhã calma mas de alguma expectativa. Nos últimos dias foi necessário arrumar e preparar o equipamento para ser levado de volta à Europa, deixar as instalações em boas condições de trabalho, depois de mais de um mês expostas à água salgada, preparar as amostras congeladas que ainda demorarão mais de dois meses a chegar ao laboratório, depois de 40 dias num contentor/congelador a bordo do Polar Pioneer até Gdynia na Polónia, e, não menos complicado, arrumar a nossa bagagem pessoal. Ontem ao fim da tarde ainda houve tempo para uma última caminhada pelos arredores da base. Saindo de Arctowski pelas colinas a sudoeste, chega-se a uma zona de pequenos lagos, alimentados pela água que drena dos pontos mais altos. Entre colinas e nalgumas encostas, alguns bancos de neve derretem lentamente formando pequenos cursos de água no leito de sedimentos vulcânicos. Esta humidade favorece o aparecimento de várias espécies de musgo e algumas plantas superiores. Ao contrário do que se poderia pensar, os arredores mais próximos de Arctowski são um tapete verde amarelado que se estende por vários hectares, onde nesta altura do ano os leões-marinhos fazem a muda da pelagem e alguns moleiros ainda nidificam. Mais para o interior os declives aumentam e o tipo de solo muda ao subir pelas morenas dos glaciares que outrora cobriram toda esta região. Agoram são montes de pedregulhos de vários tamanhos, desde uma bola de futebol a automóveis, nalguns casos simplesmente empilhados precariamente uns nos outros noutros mantidos instavelmente juntos por uma espécie de argamassa de sedimentos molhados. Estes montes de rochas quebradas pela abrasão do glaciar espalham-se por centenas de metros até à margem actual da massa de gelo do glaciar Ecology, que agora sem neve expõe várias crevassas. Nas morenas encontram-se muitos tipos de rochas, com características e formas pristinas, pouco erodidas, e é comum encontrar rochas de várias composições, cores, etc. Especialmente actractivas são vários tipos de geodos, formações ocas com um núcleo de cristais de quartzo, cujas mais comuns aqui parecem ser ágatas. Pedro Guerreiro e Adelino Canário. PARTE 2 Moreia do Glaciar Ecology, Baia do Almirantado, Ilha do Rei Jorge. Estamos agora a cerca de dois quilometros da praia e a cerca de 200 metros de altitude e os únicos vestígios de vida são os petréis e moleiros que sobrevoam estas encostas e pequenos tufos de liquenes que crescem nalgumas destas rochas... nesta região já foram identificadas mais de 20 espécies diferentes. E surpreendentemente, aqui encontramos um pinguim solitário. Durante a muda as penas dos pinguins perdem a sua capacidade de repelir a água e estas aves não se aventuram no mar, permanecendo abrigadas entre as rochas da praia... este decidiu vir um pouco mais longe. De volta à estação de Arctowski, vamos seguir junto ao mar, descendo pela morena até à frente do glaciar Ecology que segundo os registos sofreu um recuo de mais de 100 metros nos ultimos 30 anos, comprovado por enormes blocos de rocha espalhados, muito diferentes do sedimento circundante. Se a isto adicionarmos a largura da frente do glaciar, de mais de trezentos metros e cerca de vinte a trinta metros de altura, percebemos a dimensão do volume perdido. A enseada formada é o caminho que nos separa de Copacabana, que é transposto com recurso a canoas, estacionadas na praia, uma do lado de cá, para o pessoal de Arctowski, outra do lado de lá, para os americanos. Caminhamos agora pela praia. Na zona onde até há poucos anos estava o glaciar o solo é composto por sedimentos finos, pequenas pedras e uma textura quase lodosa. Na zona exposta há mais tempo acumulam-se calhaus de vários tamanhos moldados pelas ondas e que sobem e descem com a rebentação. Acima destes um amplo e extenso tapete de musgo. Nesta praia encontram-se por vezes algumas focas de Weddel, grupos de pinguins Gentoo, cuja colónia principal é na praia de Copacabana, do outro lado da enseada, alguns piguins Chinstrap, e os sempre presentes moleiros. No ar os petreis gigantes juvenis treinam do voo, partindo da colónia localizada no topo de uma colina próxima. Numa zona mais plana acumulam-se centenas de ossos de baleia... vértebras com o diâmetro de jantes de automóvel e costelas de dois metros ou mais são os mais facilmente reconheciveis. Nos finais do século XIX e inicio do seculo XX esta era uma zona de caça à baleia e vários arraiais estavam localizados na ilha. Infelizmente esta é uma prática ainda corrente agora disfarçada como investigação por alguns países. Pedro Guerreiro e Adelino Canário PARTE 3 Na praia e rochas do ponto Rakusa, perto de Arctowski, são já muito poucos os pinguins de Adelia que ainda se avistam aqui. Quando chegámos, em finais de Janeiro, esta zona albergava a maior colónia desta espécie, mas por esta altura ja todos se fizeram ao mar. Os juvenis, ainda a desenvolver as penas aldultas, e com tufos de penugem castanha e cinzenta esperavam em grupos os progenitores que iam caçar alimento. Depois era a algazarra total, com os pinguins a peseguir os pais para que estes regurgitassem, sobretudo krill. Agora já só vemos no chão uma ou outra carcaça dos que não sobreviveram e serviram de alimento a moleiros ou petréis, e as cores avermelhadas e esverdeadas que toneladas de guno deram ao solo. Felizmente também já se vai dissipando o odor característico que nos dias de vento era transportado para a estação. Quem ainda permanece por cá, embora em menor número, são os elefantes-marinhos. Pequenos grupos de fêmeas e juvenis, normalmente em redor de um macho maior e mais dominante, aconchegam-se entre os rochedos que criam zonas de praia mais protegidas do vento. Quanto o sol está mais forte cobrem-se de areia. Estão também na mudança da pelagem e podem ficar em terra por vários dias. Estes pequenos ajuntamentos criam alguns atritos entre os machos juvenis e é frequente ver algumas disputas mas sem violência, normalmente resolvidas com grunhidos e rugidos. A sua permanência cria charcos pouco atraentes de urina e excrementos, e um cheiro pouco convidativo mas que parecem ser uma fonte de nutrientes para microorganismos, bactérias e microalgas... estas águas passam de castanhas a laranja e depois a verde. De caminho passamos junto ao farol de Arctowski, o farol permanente mais a sul do planeta. Na verdade é um pequeno farolim automático, uma coluna de cerca de dois metros de altura no topo de um rochedo com perto de dez metros, e a sua utilidade é pequena, mas é mesmo assim um marco. Nos rochedos que emergem do mar junto ao farol abriga-se uma colónia de corvos-marinhos. Caçam nas águas da baía e têm uma pelagem diferente dos que vemos frequentemente no Algarve. Estes têm o dorso negro mas o peito e abdomen são brancos, e na época da coorte exibem colorações exuberantes, com um bico fortemente amarelo e olhos azulados. Voltando à estação, era hora de jantar e de um pequeno discurso de agradecimento. Neste momento começa a chegar o pessoal da base para o almoço. Normalmetne é às duas da tarde mas como esperamos o pessoal do navio americano Gould os vários trabalhos terminaram um pouco mais cedo. Os vários membros da equipa da base têm diferentes especialidades, desde náutica, alpinismo, electricidade, carpintaria, mecanica e um paramédico, mas todos são responsáveis pela manutenção do equipamento e infraestruturas e no último mês já vimos os edificios mudar de cor algumas vezes, desde que vão passando por remover a ferrugem, pintura primária e pintura final. Esta base é predominantemente amarela, mas alguns contentores estão agora a ser pintados de vermelho. A maior preocupação do momento são os geradores. A estação tem 5 geradores, 2 novos, independentes e 3 mais antigos, que funcionam num mesmo sistema. Nos últimos dias ambos os novos começaram a ter problemas e foi necessário ligar os velhos, que são mais barulhentos, produzem menos energia, mas sobretudo consomem mais combustível. Este pode ser um problema, pois não está previsto novo abastecimento, e sem outras bases em funcionamento na baía, é necessário ser duplamente cuidadoso com os gastos de energia. Agora que partimos, esperamos que tudo corram bem para estes polacos que nos acolheram de forma muito hospitaleira e que nos ajudaram na nossa investigação, nomeadamente em preparar algumas estruturas e levando-nos para pescar, acabando alguns por pescar também. Obrigado, Dzienkuje! Pedro Guerreiro e Adelino Canário Navio LM Gould, Estreito de Bransfield, 7 de Março de 2012 Estou já na longa viagem de regresso. Saímos há 2 dias de Palmer, depois de no domingo termos recolhido todo o material do monte Amsler. Ontem estivemos todo o dia em Cierva Point a desembarcar o equipamento para as perfurações e os víveres para a estadia de 3 semanas da equipa na Base Primavera. Eu estou de regresso. A minha campanha antártica já vai longa, pois já estou fora desde final de Dezembro, com um pequeno interregno de cerca de 1 semana em Portugal. o Jim, o Alexandre, o Nick, o Kelly e o Stian ficaram na base, já encerrada, mas gentilmente cedida pela Argentina para albergar a nossa equipa. O objectivo é instalar mais uma perfuração para a monitorização do permafrost, uma estação meteorológica, várias pequenas perfurações para o estudo da camada activa, e ainda fazer um estudo detalhado dos solos e da geomorfologia da área. O dia de ontem foi passado a transportar quase 1 tonelada de equipamento; parte significativa dele, vertente acima até ao sítio da perfuração, a 180m de altitude. Sem a ajuda extraordinária dos Marine Technicians do LMG e dos colegas investigadores do navio, a tarefa teria sido muitíssimo difícil. Obrigado LMG! Hoje, estamos a caminho do refugio COPA, na ilha King George, onde vamos recolher 4 investigadores norte-americanos, e ainda o Adelino Canário e o Pedro Guerreiro, do projecto FISHWARM, que estiveram na base polaca Arctowski. Até Punta Arenas ainda demoraremos cerca de 4 dias e então, daremos por concluída a campanha. A equipa que fica na Base Primavera regressará no início de Abril, certamente com boas notícias. Até lá, estarão apenas contactáveis por um telefone iridium, que usarão diariamente para contactar com a base Palmer para o Daily Check, bem como para contactar a família. Vou também estar em contacto regular com o Alexandre, para saber os desenvolvimentos dos trabalhos. Contudo, não poderemos ter actualizações regulares do blogue até ao final de Março, altura em que eles voltarão a ter acesso à Internet. Entretanto, vou dando notícias. Gonçalo Vieira. Sensivelmente 40 dias depois termina a nossa campanha e com ela a nossa presença na península Antárctica. Foi uma experiência única em todos os sentidos, em que todas as nossas actividades, saídas de campo, vida na base e interacção com os militares e científicos da base vizinha, contribuíram para um enriquecimento tanto científico como pessoal.
Apesar de termos considerado uma campanha bastante positiva infelizmente nem todos os objectivos foram cumpridos, não por razões de falta de tempo nem por condições meteorológicas adversas, mas sim por motivos logísticos. O equipamento de geofísica e sísmica da Universidade de Friburg não chegou a tempo de permitir realizar as medições. Fica assim esta tarefa adiada para uma próxima oportunidade, que para benefício do projecto, espera-se que seja no próximo Verão Antárctico! Uma das fases da nossa viagem de regresso era ir desde a ilha Deception até a ilha King George, que fica um pouco mais a Norte. Mas em vez disso fomos mais para Sul para prestar auxílio a um veleiro, em direcção ao arquipélago Melchior muito perto do arquipélago Palmer, onde está a outra equipa do projecto PERMANTAR-2 a fazer perfurações para instalar sensores de temperatura do solo. Para nós foi uma oportunidade de ver novas paisagens e ver mais de perto a Península Antárctica, como também estar mais a sul do que alguma vez tínhamos estado, ultrapassando a latitude dos 64ºS. Estamos agora prestes a chegar a casa e ansiedade de ver a nossa família e amigos aumenta, ao mesmo tempo, que o tal saudosismo português cresce à medida que as terras brancas da Antárctica ficam para trás. Despeço-me então do que foi para mim um novo mundo, ficando para sempre na minha memória as paisagens, o projecto e as pessoas que durante mais de um mês foram a nossa família. Obrigado a todos os que seguiram as nossas publicações e pelas manifestações de apoio demonstradas nos comentários. E fica também um desejo de resto de boa campanha para os restantes investigadores! Miguel Cardoso, [Permantar 2. Palmer] Começando a arrumar a tralha e a preparar a partida para a base Primavera3/3/2012
3 de Março de 2012 Base Palmer A perfuração de Palmer está terminada. Finalmente! Ontem estivemos no topo do Monte Amsler a acabar de organizar os cores de rocha e a arrumar todo o material. Selámos a sondagem e instalámos definitivamente os sensores de temperatura que irão ficar a monitorizar as temperaturas do solo durante um período, que esperamos, seja de várias décadas. Mais um ponto na Global Terrestrial Network for Permafrost, cobrindo um grande espaço vazio entre a base britânica de Rothera e a ilha Livingston. Estamos muito curiosos em saber quais os resultados provisórios, pois não sabemos qual o estado térmico do permafrost nesta área, nem temos a certeza se o permafrost ainda aqui ocorre.
Os últimos dias foram muito difíceis: vento, neve e chuva. Foi-se a semana de bom tempo. Conseguimos furar até ao 15,5 metros de profundidade, mas tínhamos cerca de 3,2 metros de rocha que teimava em não sair. Ontem ainda conseguimos retirar 1,5 metros, e hoje mais 40 cm. Este processo significa retirar várias vezes os tubos de dentro da sondagem e estamos a falar de cerca de 120kg de tubo, mais o peso da rocha e a fricção, chegando ao fim do dia exaustos e com bastantes dores musculares. Estes factores mais o tempo estar a escassear, conduziram à decisão de terminar a perfuração por hoje.
Colocamos então um tubo de polipropileno no interior da sondagem e posteriormente uma cadeia de sensores, em que o mais fundo está a 14 metros. Estamos todos muito cansados mas extremamente felizes por este objectivo alcançado. Os nossos colegas da base dão nos os parabéns pelo trabalho que fizemos, sendo também um reconhecimento do valor da nossa equipa e da importância do nosso trabalho na monitorização do Permafrost nesta região da Península Antárctica. Os próximos dias passarão por terminar de montar alguns dos sensores de monitorização da temperatura do ar e da superfície do solo e da espessura da neve, preparar o material para o trabalho em Cierva Point (base Argentina de Primavera) onde estaremos cerca de 3 semanas e por fim tentar visitar algumas das pequenas ilhas aqui perto de Palmer. Alexandre - Base norte-americana de Palmer |
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