22.02.2015 O HISURF 3 está em final de campanha. O que significa que a pressão para terminar o máximo de tarefas propostas aumenta em função do tempo que falta para nos irmos embora de Barton. Nos últimos três dias não pudemos voar o nosso drone. O tempo não permitiu, além de que ainda tínhamos que instalar um conjunto de sensores de temperatura para recolha de dados necessários ao meu estudo com o objectivo de realizar a caracterização microclimática desta península. Assim, na sexta-feira dia vinte, depois de programar os sensores para a recolha de dados para um período de um ano, subimos ao planalto nosso conhecido onde o eBee teve o problema à aterragem na sequência da degradação do sinal de GPS e tratámos instalar dois sensores, um da temperatura do ar e outro da temperatura do solo o que permitirá conhecer os regimes térmicos do solo e os efeitos da neve sobre este, além de que comparando a temperatura do ar neste local com outro num local com menor elevação, permitirá obter valores regionais de gradiente altitudinal. Dizer é mais fácil que fazer; todo o solo em redor do local escolhido para a montagem do sensor da temperatura do ar é basicamente constituído por calhaus e escavar 30 centímetros para poder assentar o mastro onde está colocado o sensor não é tarefa fácil nem rápida. O desafio seguinte é escorá-lo com corda de nylon de modo a que as estacas fiquem inseridas solidamente no chão e esperar que as skuas não se sintam especialmente atraídas por estes objectos estranhos. Perto deste ficou um sensor de temperatura do solo enterrado a cerca de 1cm da superfície. No sábado aproveitámos o mau tempo para organizar dados do drone e ultimar a apresentação que eu e o Lourenço tivemos que fazer nesse dia inseridos num seminário organizado pelos nossos anfitriões coreanos em que todos os projectos científicos em curso foram apresentados pelos seus responsáveis. Chegados a domingo o dia amanheceu com um tempo muito hostil, vento e neve que não convidavam a grandes actividades exteriores no entanto, ainda tínhamos que instalar outro conjunto de sensores de temperatura e ir recolher o tripé do DGPS que se encontrava instalado no alto da vertente na entrada no vale no sopé do monte Sejong. Resumindo, o local de instalação destes sensores era num interflúvio não distante da base, e lá chegar não foi tarefa complicada. Pelo contrário, esta operação, com tudo o que implicou, de cavar um pequeno buraco, instalar o mastro e escorá-lo, foi sem dúvida o momento mais penoso destas três semanas que aqui passámos, pois com o vento as mãos gelavam e a dor impedia os movimentos no meio do pequeno blizzard que parecia querer impedir o nosso trabalho; ou então era só uma forma delicada deste Continente nos dizer que a dureza deste clima não deve ser encarada de ânimo leve. Regressámos esgotados para o almoço e em seguida lá fomos buscar o tripé. Pois durante este trajecto o vento caiu, as nuvens tornaram-se mais diáfanas e o Sol pôde espreitar por debaixo destas, tornando o final do nosso último dia de trabalho planeado em Barton, mais alegre em preparação da despedida. No fundo esta variabilidade climática é característica desta região tão influenciada pela proximidade do mar austral. Depois foram algumas horas pela noite dentro para empacotar os materiais e arrumar os sacos para a possível partida no dia seguinte, caso a meteorologia permita. Mas isso será outra história... João Branco, Ilha King George NOTA INTRODUTÓRIA: A sequência de crónicas que se segue foi elaborada pelas investigadoras da equipa do projeto PERMANTAR 3, Alice Ferreira e Ana Rita Reis, que por dificuldades de comunicação via email não puderam ser endereçadas de forma a serem publicadas neste blog durante a sua campanha. Só agora, depois de terem regressado de uma intensa mas satisfatória campanha antártica, vos podemos das a conhecer como foi o dia a dia destas duas jovens investigadoras, na Ilha Livingston. "E nem tudo são rosas!" Os rigores e desafios da Antártida num contacto muito limitado com o resto do mundo! Ana Rita Reis É a minha primeira campanha na Antártida e é tudo novo, diferente e tão belo. É impossível não andar sempre com a máquina fotográfica às costas sempre pronta para captar mais alguma paisagem ou pormenor único. As condições atmosféricas não têm sido as mais favoráveis para a realização do trabalho de campo mas é o normal ou não estivéssemos nós na Antártida. Após vários dias de espera até serem reunidas as condições necessárias para nos deslocarmos ao glaciar rochoso, dia 24 de Janeiro, finalmente foi possível! Alice Ferreira Fomos por fim hoje ao Glaciar Rochoso! O dia estava bastante bom em termos meteorológicos; céu parcialmente limpo, vento entre fraco e moderado e as condições do mar para ir de zodiac eram também propícias. Uma vez que dependemos também do apoio de uma Zodiac espanhola para ir até à Baía Falsa, por vezes torna-se complicado conjugar boas condições meteorológicas com a disponibilidade dos elementos das bases, tanto espanhola como búlgara.. Quando entrámos na Baia Falsa, vimos com enorme espanto que éramos acompanhados por 3 baleias que estavam a menos de 10 metros da nossa Zodiac. Desligaram os motores e ficámos algum tempo a tirar fotos porque era magnífico observar as baleias tão próximo a abrirem a boca! Chegámos por volta das 10h30 ao Glaciar Rochoso e informaram-nos que não iríamos ter muito tempo para efectuar os trabalhos pois a direcção do vento iria mudar e a velocidade aumentar. Após descarregar todo o equipamento e pessoas, fomos imediatamente a um ponto mais elevado e pudemos verificar que mais de 70% do glaciar se encontrava coberto por neve, o que impossibilitava a realização dos voos com o UAV que estavam previstos. Os sensores que efectuam as medições de distância ao solo acabam por medir a topografia com a neve acumulada, o que, para os nossos objectivos de trabalho, é inútil. Após decisão de que não iriamos lançar o UAV, arrumámos todo o equipamento (UAV e DGPS Leica) de forma bastante segura e bem condicionada dentro de uma caixa metálica. Essa caixa tem de ser levada ainda hoje com os elementos da Base Juan Carlos I, uma vez que esse equipamento irá ser fulcral para a equipa portuguesa, Lourenço Bandeira e João Branco, do projecto Permantar-3, na Península de Barton na ilha Rei George. Deste modo o tempo escasseava para ainda realizar todo o trabalho de levantamento com o GPS diferencial de monitorização do Glaciar Rochoso. Subi com o equipamento auxiliada por um técnico de montanha búlgaro até ao ponto onde se monta a base, que é um local bastante íngreme e que pode-se tornar complicado ao subir com todo o equipamento. A Rita e outro técnico búlgaro ficaram no Glaciar Rochoso à procura das estacas, dado que bastantes se encontravam debaixo de neve, o que dificulta muito o trabalho. Após ter tudo montado e todas as configurações efectuadas correctamente, verifiquei que havia um problema de comunicação do equipamento, provavelmente por falta de satélites existente. Várias tentativas de reconfiguração e reiniciação foram efectuadas. Quando apenas faltava 1hora para nos irmos embora, desmontámos o equipamento levando a frustração de não ter conseguido realizar o trabalho. O tempo foi realmente curto para as tarefas previstas e tudo foi tentado para ser bem sucedido mas isso não aconteceu. Teríamos de voltar ao Glaciar Rochoso uma vez mais e com mais tempo de trabalho de forma a ser possível terminar. O dia seguinte foi dedicado a verificar o funcionamento do DGPS Trimble. Assim que foi montado nas proximidades da base, mantendo as mesmas configurações realizadas no glaciar rochoso, a comunicação começou a funcionar perfeitamente. Da parte da tarde realizamos os levantamentos da dinâmica dos lóbulos de solifluxão da vertente Ohridki e Punta Hespérides sem problemas, além da neve. Na vertente Ohridski apenas foi possível encontrar 18 estacas, todas as restantes 44 estacas encontravam-se por debaixo de neve e gelo. Felizmente por outro lado em Punta Hesperides apenas 2 estacas, das 16 existentes, se encontravam debaixo de neve. Os dias 26, 27 e 28 foram dias de tempestade; os ventos sopraram com uma intensidade que variava entre 60-80km/h, a precipitação alternava entre neve e chuva, a visibilidade era escassa sobretudo devido ao transporte da neve e, apesar das temperaturas não serem muito baixas, a sensação térmica oscilava entre os -13 e -17º C. Nesses dias efectuámos trabalho de laboratório, nomeadamente: experimentar um sistema fotográfico que tem vindo a dar problemas, preparar o programa e o datalogger novo de medição da humidade do solo e observar os dados recolhidos. Aproveitámos também para embalar e arrumar parte do equipamento já não necessário nas caixas para envio para Espanha. Ana Rita Reis Dia 29 após vários dias de mau tempo e alguns problemas com equipamento, eu e a Alice subimos até ao alto do Papagal onde foi feita a recolha de mais 2 sensores de temperatura da superfície do solo que se encontravam por debaixo de uma camada de gelo. Aqui é notório o quanto a neve já desapareceu, no entanto alguns sensores ainda se encontram por debaixo de neve e gelo. Neste dia todo o trabalho foi feito sob uma chuva intensa obrigando-nos a voltar à base por volta das 14h, momento em que iria ser feita a monitorização com DGPS do sítio CALM mas que com a chuva que caia naquele momento era impensável. Durante a restante tarde esteve sempre a chover impossibilitando o regresso ao campo. No dia seguinte voltámos ao campo e ficou concluída a monitorização dos lóbulos de solifluxão no sítio CALM, com todas as estacas a serem monitorizadas. No mesmo local foram ainda substituídas a caixa da perfuração de 4m que se encontrava danificada. Alice Ferreira Hoje é dia 31 de Janeiro e de manhã veio o navio Chileno Aquiles e despedimo-nos de três companheiros de campanha búlgaros com alguma tristeza. Pela tarde, apesar de não estarem as melhores condições meteorológicas (chuva moderada, vento forte e visibilidade fraca), fomos para o campo, sobretudo porque a previsão para o dia seguinte era bastante pior. Tentámos terminar a recolha da rede de sensores que fazem parte da minha tese de Doutoramento cujo objectivo é retirar o efeito da neve consoante a topografia para poder utilizar em modelação espacial. Eu diria que para o objectivo da experiência proposto, a localização dos sensores foi bem sucedida, no entanto, é extremamente difícil recolher sensores que, além de se encontrarem debaixo de espessa camada de neve, estão ainda debaixo de outra camada de gelo! Foram também terminados os trabalhos de manutenção e recolha de dados na estação meteorológica. Ana Rita Reis Dia 1 de Fevereiro iríamos até ao Pico Reina Sofia mas mais uma vez as condições meteorológicas não eram favoráveis obrigando-nos a ficar pela área da base Búlgara. Assim sendo aproveitamos para recolher mais sensores da rede de monitorização da Alice no Alto do Papagal e próximo da base búlgara. Alice Ferreira Hoje (2/2/15) fomos até R.Sofia de skidoos conduzido pelos chefe de base Jordan e pelo segundo em comando Stanko, para realizar em conjunto com a equipa espanhola, Miguel e Cayetana, a instalação da cadeia de sensores e datalogger da perfuração de 25m. Além disso, esperava-nos mais “pazadas” de neve e “picadas” de gelo e alegrámo-nos em ter a ajuda da Cayetana para realizar este trabalho doloroso para poder recolher as placas metálicas com os sensores de temperatura da superfície do solo. Pode parecer ridículo mas quando “descascámos” o gelo e vi o brilho da placa próximo da perfuração de 15m, fiquei tão contente e pus-me a saltar e a agradecer à Rita e à Caye o árduo trabalho! Sobretudo porque com estes dados já teria mais um ponto de validação dos modelos de temperaturas do permafrost que me encontro a realizar para a tese! Fomos convidadas para almoçar na Base de Juan Carlos I pelo chefe de base Jordi e antes de chegarmos ainda fomos ver os instrumentos de monitorização em Collado Ramos a cerca de 117 m de altitude. O almoço foi alegre e depois ainda tive o prazer de ter uma pequena sessão de guitarra acústica com o patrão da zodiac Oscar. À tarde subimos mais uma vez a R.Sofia e, com a ajuda do Miguel, recolhemos quase todos os sensores de temperatura da minha rede que faltavam, expecto mesmo dois que estavam debaixo de cerca de 4m de neve e por isso não foram recolhidos. Ana Rita Reis Dia 3 seria à partida um dos melhores dias para nos deslocarmos até ao glaciar rochoso pois seria o único dia da semana em que segundo as previsões não iria chover no entanto os fortes ventos e o mar muito agitado impediram a viagem. Assim recebemos na base Búlgara Miguel A. Pablo e Cayetana e durante a parte da manhã estivemos a fazer um reconhecimento de todo a rede de monitorização e equipamento do projecto existente nesta área. Depois do almoço ainda foi possível um passeio junto ao mar onde termina um dos glaciares mais bonitos, coberto por cinzas vulcânicas das erupções de Deception. Alice Ferreira Ontem após a visita do Miguel e Caye à BAB aproveitei a boleia e fui com o Jordan e Stanko fazer um reconhecimento e experimentar realizar a perfuração de 1 metro necessária para instalação da sonda da humidade de solo. Com enorme alegria conseguimos chegar até um metro nesse dia que estava quente para o habitual a 275m de altitude. Hoje da parte da manhã preparei com ajuda do Jordan e Stanko todo o equipamento a ser instalado para a sonda de humidade; estrutura para fixação do painel solar, bateria externa e datalogger. A previsão não era muito boa para a parte da tarde mas ainda tínhamos esperança de poder realizar a instalação hoje. Após o almoço e depois de nos prepararmos para ir a R.Sofia, recebemos o aviso do chefe da base espanhola que nos disse que não estavam condições meteorológicas propícias para realizar a instalação. Apenas foi possível realizar a instalação da sonda de humidade no dia 5 e devido às baixas temperaturas, tivemos problemas em retomar a perfuração no permafrost. Após algumas horas e intenso trabalho por parte dos búlgaros com a perfuradora e com a montagem da estrutura de suporte do painel solar, conseguimos chegar a 1,2m e instalei a sonda de humidade que ficou a funcionar sem problemas. Pela tarde eu e a Rita realizámos 6 perfis de cerca de 30cm em neveiros em distintas posições topográficas que servirão de validação de dados das imagens de microondas Terra-SAR. No dia seguinte, apesar da fraca visibilidade sobre o glaciar, fomos de skidoo com ajuda de um track de GPS que tinha feito no dia anterios, realizar a verificação de todo o sistema de alimentação externa e interna e descarregar os dados da sonda de humidade. Foram também verificados os sistemas fotográficos de R.Sofia e da estação meteorológica. Apenas no último dia de campanha foi possível voltar ao glaciar rochoso onde foi feita a monitorização da deformação do mesmo com DGPS. Fomos acompanhadas por Miguel A. Pablo e Cayetana assim como dois técnicos búlgaros que foram a ajuda preciosa para que conseguissemos realizar os levantamentos de forma célere. Havia menos de metade da neve de há duas semanas. O trabalho foi todo feito sob uma chuva e neve intensas mas ficou concluído. Regressámos à base por volta das 17h e foi a altura de embalar o restante equipamento da campanha e preparar as caixas para regressarem a Portugal com o Hespérides. Domingo, dia 8 de Fevereiro pelas 9:30 chegou à praia Búlgara a zodiac do Hespérides que nos levou de volta ao navio. Alice Ferreira Chegou o dia de partir e deste modo gostaria de agradecer todo o apoio, disponibilidade, colaboração, amizade e alegria que nos proporcionaram os técnicos e dotação da Base Antárctica Búlgara, em especial ao chefe de base Jordan Jordanov. A nossa colaboração tem vindo a acontecer todos os anos desde há 8 e espero que se prolongue por muitos mais. Aproveito também por agradecer à dotação da Base Juan Carlos I e do navio oceanográfico Hespérides que sempre que necessitávamos nos apoiavam e nos proporcionaram os meios logísticos para realizar o nosso projecto científico na Antárctida. Depois de quatro dias no Hespérides chegámos a Ushuaia onde, apesar da curta estadia, tive a oportunidade de visitar o Parque Natural! Não há qualquer fotografia que faça real justiça à beleza das paisagens que tive a oportunidade de observar, tanto na Antártida como em Ushuaia.
Posteriormente e dado que o primeiro voo a apanhar seria a partir de Punta Arenas tive que me deslocar de autocarro realizando uma viagem de 12 horas conhecendo, assim, um pouco mais da fauna e flora destes dois países (Chile e Argentina). Chegada a Punta Arenas foi pouco o tempo de espera, às 04:30 da manhã já me encontrava no aeroporto para começar a longa viagem. Na viagem entre Punta Arenas a Santiago do Chile pude observar os Andes, apesar do lusco-fusco, acabando por me vislumbrar. De Santiago do Chile até São Paulo a viagem foi um pouco mais atribulada por causa da chuva intensa sob a qual São Paulo se encontrava no momento. Com algum atraso, parti para a última etapa e o terceiro voo para Portugal, sendo que a viagem foi calma e confortável. A campanha, na minha perspetiva, foi bem sucedida pois conseguimos realizar o mais importante dentro daquilo a que nos tínhamos proposto. Entenda-se que toda a o logística associada a estas campanhas exige grande planeamento e por vezes existem situações adversas que podem implicar a alteração dos planos, sendo necessária alguma flexibilidade de trabalho por parte de todos e tirar partido de todo o tempo disponível para a concretização dos objetivos. As pessoas que tive a oportunidade de conhecer ao longo destes dias marcaram-me pela sua simpatia e predisposição para trabalhar e ajudar no que fosse necessário e, também, pelo facto de enriquecerem a viagem com as suas temáticas contribuindo para a minha aprendizagem. Inês Girão, Portugal Já é um lugar comum dizê-lo mas as condições meteorológicas são mesmo a principal condicionante de qualquer trabalho nesta região do planeta. Ontem fomos para o campo, acompanhar um pouco do trabalho dos investigadores portugueses Pedro Ferreira e Patrícia Azinhaga, que estão alojados, como nós, na base chilena de Julio Escudero na ilha do Rei Jorge. Das janelas da base o dia estava lindo. O azul dominava sobre o branco de algumas nuvens. A luz prometia excelentes imagens. Conseguimos até uma boleia num todo-o-terreno - uma "limusine da Antártida" nas palavras do motorista - que, a custo de muitos solavancos e algumas cabeçadas no tejadilho, nos conseguiu levar até uma zona próxima da Meseta Norte, que é a área de estudo dos geólogos Pedro Ferreira do LNEG e Patrícia Azinhaga da Universidade de Coimbra. Tudo parecia correr bem. O vento forte e frio vieram, contudo, dificultar muito o nosso trabalho. Mesmo com a câmara em cima do tripé, com ventos de cerca de 70 Km/h, é difícil que as imagens não tremam. E encontrar um local abrigado para fazer as entrevistas, de forma a que se ouça bem, é um enorme desafio. Carregados com o equipamento de reportagem, o vento quase nos derrubava. Agradeci ao repórter de imagem Filipe Ferreira ter insistido em trazer uma câmara e um tripé mais leves do que aqueles com que trabalhamos habitualmente em Portugal. Aqui cinco quilos a menos - quando se caminha na neve ou em terreno enlameado, irregular e por vezes muito íngreme, durante vários quilómetros - fazem a diferença. Chegamos cansados ao fim do dia, mas conseguimos fazer percursos que com outro equipamento, muito mais pesado, seriam praticamente impossíveis. 24 de Fev, Meseta Norte, Ilha de King George Já lá vão 4 dias de trabalho de campo. Kms não faço ideia, mas foram muitos! Sei que ontem estivemos na meseta 9 horas. É um pouco louco mas quando as condições climatéricas estão agradáveis há que aproveitar. Tivemos uma manhã solarenga e sem vento o que é raro por estas bandas. Depois dos primeiros kms o calor já se fazia sentir e o casaco de penas teve de saltar para a mochila. Foi apenas por duas horas mas é um feito a registar. Infelizmente na maioria dos dias não é assim e já fomos brindados com muito vento (hoje de manhã apanhamos vento na ordem dos 75 km/h) chuva e neve. A conjugação do vento com a neve é agreste. Quando estas nevasças tocadas pelo vento nos atingem a face parecem agulhas. Fez-me lembrar a areia da praia da Claridade na figueira da Foz quando levanta devido ao vento e nos pica a pele. Fazer cartografia geológica nestas condições não é fácil e o nosso espírito de aventura tem de estar ao rubro para que seja possível fazer o trabalho necessário. Posso dizer que cada vez tenho mais respeito pelos grandes exploradores polares da história que enfrentavam estas intempéries sem qualquer recurso à tecnologia que hoje se usa, por exemplo no vestuário. Qual goretex? Tinham umas camisolas de lã e umas peles e era só! Homens com H maiúsculos e uma grande dose de loucura... O relevo da área não facilita e o caminho até lá também não. Não se consegue ir de jipe pois está um lamaçal que origina fossos por onde os rodados não conseguem passar. Há que andar mais de 3km antes de conseguir chegar à área em estudo. Dificuldades à parte as paisagens são fabulosas e o silêncio também! Patrícia Azinhaga e Pedro Ferreira 19.02.2015
Ontem o dia amanheceu com uma feliz possibilidade: como os nossos dois colegas, Pablo e Magnus, iriam finalmente regressar à base argentina Carlini, e para tal iria ser utilizado um Zodiac da base coreana, pedimos boleia até ao ponto mais extremo da Península de Barton, situado na baía de Potter, sensivelmente defronte à base científica argentina. Como o tempo estava bom, embora sem sol, mas com um vento praticamente calmo, decidimos, ambiciosamente, tentar cobrir o máximo possível duma área que ainda não tinha sido cartografada com o nosso drone. Fomos felizes nessa aposta; além do local onde efectuámos os dois primeiros voos serem muito bonitos, com extensos tapetes de musgos entre lagunas, numa praia bastante extensa onde leões marinhos (Otaria flavescens) brincavam ao longe, os voos correram muito bem e assim que terminados e o material arrumado, pusemo-nos a caminho subindo para cotas mais elevadas em direcção ao interior da península para a escolha de outro local apropriado à realização de novos voos. Uma nota sobre a vida animal da Antárctida: no trajecto de Zodiac, entre a base Carlini e a praia onde desembarcámos em Barton, observámos uma foca leopardo (Hydrurga Leptonyx), um predador de topo, que tinha acabado de caçar um pinguim de barbicha (Pygoscelis Antarctica) e tal como um gato brinca com um rato, assim esta foca fazia com o pinguim antes de o transformar no seu alimento. O ciclo da natureza. Para o segundo voo depois de vencermos a vertente da arriba, continuámos a subida, seguindo para noroeste, na direcção da base e atravessámos um bonito valeiro encaixado com bastante neve na parte superior, de onde alcançámos uma área aplanada onde nos pareceu ser um local para as nossas operações aéreas. Preparar o equipamento novamente e em pouco tempo estávamos mais uma vez no ar (remotamente), para efectuar o terceiro e quarto voos desse dia. O termo área aplanada é um pouco eufemístico porque o relevo do local onde temos passado as últimas semanas dificilmente permite essa classificação pois toda a península é muito acidentada e a cobertura do terreno ora é de materiais de origem glaciária com blocos de dimensões assinaláveis ou de depósitos de materiais angulosos e cortantes tal como já pudemos comprovar há alguns dias. Mas correu tudo bem e embora num dos voos tenhamos tido indicação de cobertura fraca de GPS, já no final do voo, tal não afectou a qualidade das imagens produzidas. Depois, regressámos à base atravessando a pinguineira que existe na costa sul da península e que, se não tivéssemos a certeza do caminho até lá, não haveria que enganar pois com o cheiro do guano é impossível não dar pela presença de tão simpáticos animais. Novamente esgotados, mas alegres pelo excelente dia de trabalho, que permitiu a recolha de dados completos nas bandas do espectro visível (RGB) e do Infravermelho Próximo (NIR) e ter observado novas áreas de Barton, terminámos o dia com a agradável sensação dos objectivos alcançados. João Branco Ilha de King George, Península de Barton, Base de King Sejong Gutten morgen!!! Os crustáceos têm um papel importante na cadeia alimentar do Oceano Antártico. Existem várias centenas de espécies de crustáceos no Oceano Antártico. Só em camarões (família Euphausiacea), possui 85 espécies nesta região. Destas, o camarão do Antártico Euphausia superba, conhecido por krill, é o elemento chave da cadeia alimentar. Isso deve-se a haver muitos seus predadores a depender direta- ou indiretamente do krill. No Oceano Antártico, desde peixes, lulas, albatrozes, petréis, baleias, focas e até pinguins, muitas espécies de predadores adoram o krill. Então o que acontece se faltar o krill? Bem, estudos recentes revelaram que o krill na Península Antártica tem estado em declínio há cerca de 40 anos. Daí ser previsível que alguns predadores que se alimentam de krill poderão vir a ser afetados no futuro. No que estou a trabalhar agora, a identificação correta do krill na dieta de predadores como pinguins, focas e albatrozes é fundamental para avaliar criticamente do que está a acontecer no Oceano Antártico. Das 85 espécies de camarões no Oceano Antártico, 5 delas são particularmente abundantes e importantes na dieta de predadores: o krill já mencionado acima, o Euphausia crystallorophias, Euphausia frígida, Euphausia triacantha e Euphausia vallentini. Todas estás espécies estão distribuídas no Oceano Antártico mas é interessante notar as diferenças nos seus habitats. Por exemplo, E. crystallorophias é uma espécie que vive junto ao continente, com águas a 0 graus Célcius (incluindo debaixo do gelo marinho) e a baixa profundidade, enquanto E. frígida vive em águas acima dos 0 graus Célcius e nunca foi encontrada debaixo do gelo marinho. Euphausia triacantha não se encontra em cardumes, é conhecida pro fazer migrações verticais mas é rara nas dietas de baleias. Por fim, Euphausia vallentini distribui-se em águas mais quentes a norte (2-10 graus Célcius), forma cardumes e encontra-se na dieta de vários predadores, incluindo os pinguins gentoo, albatrozes de cabeça cinzenta e peixes. Engraçado notar como cada espécie tem uma maior abundância numa região diferente. Mais, cada espécie possui caraterísticas físicas (os cientistas dizem morfologia) diferente. O krill chega a tamanhos maiores do que qualquer outra espécie de camarão... tudo isto conta para identificar cada espécie na dieta dos seus predadores e daí o valor do trabalho que se está a realizar agora... Gutten morgen! Marie-Charlott Rummler, do Instituto de Ecologia da Universidade alemã de Jena, no território da ex-RDA, distingue-se entre dezenas de homens à volta de duas mesas bem recheadas de comida e bebida. Pensámos que haveria sobretudo vodca, sendo russos os nossos anfitriões, mas afinal não faltava vinho tinto chileno, cerveja alemã e até coca-cola. Fiquei com pena de não ter trazido de Lisboa para a ilha do Rei Jorge duas garrafas de vinho do Porto, em vez de apenas uma que oferecemos à chegada a Javier Arata, o chefe da base chilena de Julio Escudero, onde estamos alojados.
Até a equipa da SIC chegar, acompanhada por Javier Arata e a cientista brasileira Ema Kuhn, a investigadora alemã era a única mulher na sala em que se comemorava o 47º aniversário da base russa, a estação Bellingshausen. Na entrevista que deu à SIC, Vladimir Chorun, o chefe da base russa já nos tinha falado de Marie. A jovem faz parte da nova geração de investigadores alemães que há mais de 40 anos, muito antes da queda do muro de Berlim, vêm regularmente para Bellingshausen na ilha do Rei Jorge monitorizar, agora com o apoio de um ‘drone´, as colónias de pinguins da vizinha ilha de Ardley, área protegida onde nidificam três espécies de pinguins: Pinguim-gentoo (Pygoscelis papua), Pinguim-de-adélia (Pygoscelis adeliae) e Pinguim-de-barbicha (Pygoscelis antarctica). Marie e outros investigadores da equipa alemã dizem-nos que os dois últimos registaram um decréscimo acentuado sobretudo nos anos 90. Pelo contrário, o número de Pinguins-gentoo tem vindo a aumentar. E isto não se verifica apenas na ilha de Ardley. Quando lá estivemos em reportagem, na manhã anterior, só vimos gentoo. Pergunto porque é que uma espécie tem prosperado e as outras duas não? Mas dizem que ainda não sabem explicar. Têm apenas hipóteses de estudo que necessitam de confirmação. O facto poderá estar relacionado com eventuais flutuações na disponibilidade de krill, o alimento principal dos pinguins. A ciência é assim mesmo: há sempre mais perguntas do que respostas. E creio que será esse também o fascínio do trabalho de investigação científica. Carla Castelo e Filipe Ferreira Base de Julio Escudero, Ilha do Rei Jorge, dia 22 de fevereiro de 2015 O dia começa com uma noite mal dormida. Talvez o corpo não tenha sido convenientemente apresentado ao colchão, ou a chegada a conta-gotas dos restantes companheiros de camarata (somos seis no total) tenha despertado a mente que já se preparava para desligar ou, simplesmente, corpo e mente são demasiado exigentes! Mas pronto!! Não há-de ser nada!
Os seis camaradas de quarto, ocupam 3 beliches emparelhados, cabendo-me o privilégio de ocupar um dos de cume. A técnica de escalada tem de ser quase perfeita de modo a evitar pontapear o camarada do rés-do-chão e ao mesmo tempo evitar um traumatismo craniano através do embate da cabeça no tecto, com o impulso meticulosamente controlado da perna esquerda, ao mesmo tempo que a direita já se encontra a 90º e ao nível do destino final, esperando a subida do restante corpo. Aliás, e como observação marginal, refira-se que este tipo de movimento ascendente foi a mente imaginativa buscar à famosa e pouco ortodoxa “técnica Filandesa” do salto em altura, em que o atleta enfrenta a barra de peito, como que querendo mostrar a sua coragem ao obstáculo a ser superado. Mas enfim, refreemos a imaginação e refira-se somente o conselho sapiente do corpo à mente para não abusar de líquidos ao jantar, se não quer andar a subir e a descer do beliche toda a noite e assim aumentar o risco de accionamento do seguro da Propolar como necessidade de repatriamento, deste corpo e desta mente, para o nosso querido Portugal, com um membro partido. Mas enfim, a noite já lá vai e antes de me dirigir para a cantina - onde me espera uma chávena de leite em pó Molico (há quanto anos não via eu este produto!! pelo menos desde a altura em que a minha mãe o comprava como plano alternativo à ausência da leiteira, que todos os dias trazia leite fresquinho!!), misturado com um delicioso e revigorante achocolatado Milo (este também é antigo, mas tenho continuado a bebê-lo) acompanhado de pão torrado, manteiga, queijo, fiambre e sumo de laranja - ainda tenho um desafio grande para enfrentar: a casa de banho! No módulo onde estamos, somos 18 criaturas que têm todos a mesma fisgada matinal e que são as imprescindíveis abluções matinais a que se juntam as necessárias, e por vezes prementes, necessidades fisiológicas. Como as casinhas de banho são duas…. Há que dar tempo ao tempo e rezar para que a premência se contenha. Agora sim! Já desperto, abluído e de papinho cheio, a mente sente-se entusiasmada e o corpo expectante com o que o dia lhes vai trazer. Mas primeiro, como estamos na “Manhattan da Antartida”, não na outra que todos conhecem, há que preparar o corpo àquilo que o espera lá fora, coisa pouca: temperaturas de 0ºC, humidade relativa de 95%, ventos na ordem dos 60 km/h (não quero que me interpretem mal, apelidando-me de exagerado, pois não é sempre assim; há dias piores!!), chuva e/ou neve! Portanto, vamos lá fazer a listinha para que não falte nada: botas impermeáveis, 2 pares de meias (umas finas e outras mais grossitas), umas calças térmicas, umas de trabalho e finalmente as impermeáveis por fora, envoltas inferiormente numas polainas impermeáveis, uma camisola interior térmica, um (ou dois, ou três) polar, um casaco de penas e um casaco impermeável exterior, luvas (camada 1), mais luvas (camada 2), pescoceira e um gorro. Como se vai fazer geologia de campo, mais umas coisitas temos de juntar à lista: martelo, suporte de martelo e cinto, lupa, bussola, gps (mais pilhas sobressalentes), prancheta, mapas, plásticos e micas para os mapas, canetas de acetato, sacos de plástico, atilhos e etiquetas para as amostras a recolher e mais alguns acessórios como os óculos de sol, batom de cieiro e protector solar. A tudo isto se junta a merenda e água. “Mistura-se” tudo e verte-se para a mochila de 30 litros, coberta com uma capa impermeável. (continua… pois vou agora para mais um exercício de escalada!!!) Pedro Ferreira, Ilha de King George Esteve para ser adiado devido a um problema técnico no avião da Força Aérea do Chile, mas o nosso voo de Punta Arenas para a Ilha do Rei Jorge acabou por realizar-se no dia previsto, 19 de fevereiro, num avião da companhia de aviação DAP fretado pelo Instituto Antártico Chileno (INACH). Às 21h00 do dia anterior fomos informados de que teríamos de estar às 06h30 frente à sede do INACH, de onde seguiríamos todos para o aeroporto. Com este ‘todos’ quero dizer a equipa de reportagem da SIC, o novo chefe da base chilena de Julio Escudero, Javier Arata, investigadores de vários países incluindo os dois portugueses do projeto Geoperm, Pedro Ferreira, do LNEG, e Patrícia Azinhaga, da Universidade de Coimbra, e cerca de 20 estudantes chilenos vencedores de um concurso nacional que premeia trabalhos bibliográficos e experimentais sobre a Antártida. Embarcámos juntamente com um grupo de turistas norte-americanos e ingleses que vinham passar o dia à Ilha do Rei Jorge, “a baixa de Manhattan da Antártida”, nas palavras da guia turística, uma professora universitária chilena, antiga investigadora que passou largas temporadas na Antártida a estudar os pinguins. Ao longo das cerca de duas horas e 10 minutos, a guia foi dando informações e alertando para a necessidade de reduzir ao mínimo o impacto na ilha. Da Antártida nada se pode levar para casa como recordação a não ser fotografias. “Não levar recuerdos, nem mesmo uma pedra.” O turismo para a Antártida é uma atividade em crescimento, com mais de 37 mil visitantes ao ano, e os chilenos vêem-na como importante fonte de receita. Aterrámos na Ilha de Rei Jorge - a uma das mais movimentadas da Antártida, com bases de países tão diferentes como o Chile, a Rússia, ou a Coreia do Sul - numa manhã quase sem vento e com temperatura muito amena (a rondar os zero graus) para esta região do Planeta. À tarde acompanhámos os investigadores Pedro Ferreira e Patrícia Azinhaga no reconhecimento do terreno para o projeto de cartografia geológica e litológica que pretendem aqui desenvolver. Antes do almoço já tínhamos aproveitado para fazer imagens da baía de Fildes, onde elementos da Marinha do Chile com mergulhadores tentavam recolocar um ponto de ancoragem para embarcações, perdido devido ao mau tempo dos últimos meses. Um dos botes de borracha aproxima-se de terra. Apresento-me e digo que estamos a fazer uma grande reportagem sobre a ciência na Antártida. O Sargento Canto explica-nos que por aqui todas as operações militares são pacíficas. Vai apontando em várias direções: aqui são as bases chilenas, da Marinha e de Julio Escudero, além a da Rússia, do outro lado da baía a do Uruguai e da Coreia do Sul. Uma carrinha enorme passa por nós e pára logo a seguir. Meto novamente conversa mas fico apenas a saber o nome: Vladimir, e o país de origem: Rússia. Não “habla español” nem “speak english”. Sorrimos à mesma e apresento-me a mim e ao repórter de imagem da SIC: Carla Castelo e Filipe Ferreira. Jornalistas. De Portugal. Carla Castelo e Filipe Ferreira, Base de Julio Escudero. Ilha do Rei Jorge, 20 de feveiro de 2015 |
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