NOTA INTRODUTÓRIA: A sequência de crónicas que se segue foi elaborada pelas investigadoras da equipa do projeto PERMANTAR 3, Alice Ferreira e Ana Rita Reis, que por dificuldades de comunicação via email não puderam ser endereçadas de forma a serem publicadas neste blog durante a sua campanha. Só agora, depois de terem regressado de uma intensa mas satisfatória campanha antártica, vos podemos das a conhecer como foi o dia a dia destas duas jovens investigadoras, na Ilha Livingston. "E nem tudo são rosas!" Os rigores e desafios da Antártida num contacto muito limitado com o resto do mundo! Ana Rita Reis É a minha primeira campanha na Antártida e é tudo novo, diferente e tão belo. É impossível não andar sempre com a máquina fotográfica às costas sempre pronta para captar mais alguma paisagem ou pormenor único. As condições atmosféricas não têm sido as mais favoráveis para a realização do trabalho de campo mas é o normal ou não estivéssemos nós na Antártida. Após vários dias de espera até serem reunidas as condições necessárias para nos deslocarmos ao glaciar rochoso, dia 24 de Janeiro, finalmente foi possível! Alice Ferreira Fomos por fim hoje ao Glaciar Rochoso! O dia estava bastante bom em termos meteorológicos; céu parcialmente limpo, vento entre fraco e moderado e as condições do mar para ir de zodiac eram também propícias. Uma vez que dependemos também do apoio de uma Zodiac espanhola para ir até à Baía Falsa, por vezes torna-se complicado conjugar boas condições meteorológicas com a disponibilidade dos elementos das bases, tanto espanhola como búlgara.. Quando entrámos na Baia Falsa, vimos com enorme espanto que éramos acompanhados por 3 baleias que estavam a menos de 10 metros da nossa Zodiac. Desligaram os motores e ficámos algum tempo a tirar fotos porque era magnífico observar as baleias tão próximo a abrirem a boca! Chegámos por volta das 10h30 ao Glaciar Rochoso e informaram-nos que não iríamos ter muito tempo para efectuar os trabalhos pois a direcção do vento iria mudar e a velocidade aumentar. Após descarregar todo o equipamento e pessoas, fomos imediatamente a um ponto mais elevado e pudemos verificar que mais de 70% do glaciar se encontrava coberto por neve, o que impossibilitava a realização dos voos com o UAV que estavam previstos. Os sensores que efectuam as medições de distância ao solo acabam por medir a topografia com a neve acumulada, o que, para os nossos objectivos de trabalho, é inútil. Após decisão de que não iriamos lançar o UAV, arrumámos todo o equipamento (UAV e DGPS Leica) de forma bastante segura e bem condicionada dentro de uma caixa metálica. Essa caixa tem de ser levada ainda hoje com os elementos da Base Juan Carlos I, uma vez que esse equipamento irá ser fulcral para a equipa portuguesa, Lourenço Bandeira e João Branco, do projecto Permantar-3, na Península de Barton na ilha Rei George. Deste modo o tempo escasseava para ainda realizar todo o trabalho de levantamento com o GPS diferencial de monitorização do Glaciar Rochoso. Subi com o equipamento auxiliada por um técnico de montanha búlgaro até ao ponto onde se monta a base, que é um local bastante íngreme e que pode-se tornar complicado ao subir com todo o equipamento. A Rita e outro técnico búlgaro ficaram no Glaciar Rochoso à procura das estacas, dado que bastantes se encontravam debaixo de neve, o que dificulta muito o trabalho. Após ter tudo montado e todas as configurações efectuadas correctamente, verifiquei que havia um problema de comunicação do equipamento, provavelmente por falta de satélites existente. Várias tentativas de reconfiguração e reiniciação foram efectuadas. Quando apenas faltava 1hora para nos irmos embora, desmontámos o equipamento levando a frustração de não ter conseguido realizar o trabalho. O tempo foi realmente curto para as tarefas previstas e tudo foi tentado para ser bem sucedido mas isso não aconteceu. Teríamos de voltar ao Glaciar Rochoso uma vez mais e com mais tempo de trabalho de forma a ser possível terminar. O dia seguinte foi dedicado a verificar o funcionamento do DGPS Trimble. Assim que foi montado nas proximidades da base, mantendo as mesmas configurações realizadas no glaciar rochoso, a comunicação começou a funcionar perfeitamente. Da parte da tarde realizamos os levantamentos da dinâmica dos lóbulos de solifluxão da vertente Ohridki e Punta Hespérides sem problemas, além da neve. Na vertente Ohridski apenas foi possível encontrar 18 estacas, todas as restantes 44 estacas encontravam-se por debaixo de neve e gelo. Felizmente por outro lado em Punta Hesperides apenas 2 estacas, das 16 existentes, se encontravam debaixo de neve. Os dias 26, 27 e 28 foram dias de tempestade; os ventos sopraram com uma intensidade que variava entre 60-80km/h, a precipitação alternava entre neve e chuva, a visibilidade era escassa sobretudo devido ao transporte da neve e, apesar das temperaturas não serem muito baixas, a sensação térmica oscilava entre os -13 e -17º C. Nesses dias efectuámos trabalho de laboratório, nomeadamente: experimentar um sistema fotográfico que tem vindo a dar problemas, preparar o programa e o datalogger novo de medição da humidade do solo e observar os dados recolhidos. Aproveitámos também para embalar e arrumar parte do equipamento já não necessário nas caixas para envio para Espanha. Ana Rita Reis Dia 29 após vários dias de mau tempo e alguns problemas com equipamento, eu e a Alice subimos até ao alto do Papagal onde foi feita a recolha de mais 2 sensores de temperatura da superfície do solo que se encontravam por debaixo de uma camada de gelo. Aqui é notório o quanto a neve já desapareceu, no entanto alguns sensores ainda se encontram por debaixo de neve e gelo. Neste dia todo o trabalho foi feito sob uma chuva intensa obrigando-nos a voltar à base por volta das 14h, momento em que iria ser feita a monitorização com DGPS do sítio CALM mas que com a chuva que caia naquele momento era impensável. Durante a restante tarde esteve sempre a chover impossibilitando o regresso ao campo. No dia seguinte voltámos ao campo e ficou concluída a monitorização dos lóbulos de solifluxão no sítio CALM, com todas as estacas a serem monitorizadas. No mesmo local foram ainda substituídas a caixa da perfuração de 4m que se encontrava danificada. Alice Ferreira Hoje é dia 31 de Janeiro e de manhã veio o navio Chileno Aquiles e despedimo-nos de três companheiros de campanha búlgaros com alguma tristeza. Pela tarde, apesar de não estarem as melhores condições meteorológicas (chuva moderada, vento forte e visibilidade fraca), fomos para o campo, sobretudo porque a previsão para o dia seguinte era bastante pior. Tentámos terminar a recolha da rede de sensores que fazem parte da minha tese de Doutoramento cujo objectivo é retirar o efeito da neve consoante a topografia para poder utilizar em modelação espacial. Eu diria que para o objectivo da experiência proposto, a localização dos sensores foi bem sucedida, no entanto, é extremamente difícil recolher sensores que, além de se encontrarem debaixo de espessa camada de neve, estão ainda debaixo de outra camada de gelo! Foram também terminados os trabalhos de manutenção e recolha de dados na estação meteorológica. Ana Rita Reis Dia 1 de Fevereiro iríamos até ao Pico Reina Sofia mas mais uma vez as condições meteorológicas não eram favoráveis obrigando-nos a ficar pela área da base Búlgara. Assim sendo aproveitamos para recolher mais sensores da rede de monitorização da Alice no Alto do Papagal e próximo da base búlgara. Alice Ferreira Hoje (2/2/15) fomos até R.Sofia de skidoos conduzido pelos chefe de base Jordan e pelo segundo em comando Stanko, para realizar em conjunto com a equipa espanhola, Miguel e Cayetana, a instalação da cadeia de sensores e datalogger da perfuração de 25m. Além disso, esperava-nos mais “pazadas” de neve e “picadas” de gelo e alegrámo-nos em ter a ajuda da Cayetana para realizar este trabalho doloroso para poder recolher as placas metálicas com os sensores de temperatura da superfície do solo. Pode parecer ridículo mas quando “descascámos” o gelo e vi o brilho da placa próximo da perfuração de 15m, fiquei tão contente e pus-me a saltar e a agradecer à Rita e à Caye o árduo trabalho! Sobretudo porque com estes dados já teria mais um ponto de validação dos modelos de temperaturas do permafrost que me encontro a realizar para a tese! Fomos convidadas para almoçar na Base de Juan Carlos I pelo chefe de base Jordi e antes de chegarmos ainda fomos ver os instrumentos de monitorização em Collado Ramos a cerca de 117 m de altitude. O almoço foi alegre e depois ainda tive o prazer de ter uma pequena sessão de guitarra acústica com o patrão da zodiac Oscar. À tarde subimos mais uma vez a R.Sofia e, com a ajuda do Miguel, recolhemos quase todos os sensores de temperatura da minha rede que faltavam, expecto mesmo dois que estavam debaixo de cerca de 4m de neve e por isso não foram recolhidos. Ana Rita Reis Dia 3 seria à partida um dos melhores dias para nos deslocarmos até ao glaciar rochoso pois seria o único dia da semana em que segundo as previsões não iria chover no entanto os fortes ventos e o mar muito agitado impediram a viagem. Assim recebemos na base Búlgara Miguel A. Pablo e Cayetana e durante a parte da manhã estivemos a fazer um reconhecimento de todo a rede de monitorização e equipamento do projecto existente nesta área. Depois do almoço ainda foi possível um passeio junto ao mar onde termina um dos glaciares mais bonitos, coberto por cinzas vulcânicas das erupções de Deception. Alice Ferreira Ontem após a visita do Miguel e Caye à BAB aproveitei a boleia e fui com o Jordan e Stanko fazer um reconhecimento e experimentar realizar a perfuração de 1 metro necessária para instalação da sonda da humidade de solo. Com enorme alegria conseguimos chegar até um metro nesse dia que estava quente para o habitual a 275m de altitude. Hoje da parte da manhã preparei com ajuda do Jordan e Stanko todo o equipamento a ser instalado para a sonda de humidade; estrutura para fixação do painel solar, bateria externa e datalogger. A previsão não era muito boa para a parte da tarde mas ainda tínhamos esperança de poder realizar a instalação hoje. Após o almoço e depois de nos prepararmos para ir a R.Sofia, recebemos o aviso do chefe da base espanhola que nos disse que não estavam condições meteorológicas propícias para realizar a instalação. Apenas foi possível realizar a instalação da sonda de humidade no dia 5 e devido às baixas temperaturas, tivemos problemas em retomar a perfuração no permafrost. Após algumas horas e intenso trabalho por parte dos búlgaros com a perfuradora e com a montagem da estrutura de suporte do painel solar, conseguimos chegar a 1,2m e instalei a sonda de humidade que ficou a funcionar sem problemas. Pela tarde eu e a Rita realizámos 6 perfis de cerca de 30cm em neveiros em distintas posições topográficas que servirão de validação de dados das imagens de microondas Terra-SAR. No dia seguinte, apesar da fraca visibilidade sobre o glaciar, fomos de skidoo com ajuda de um track de GPS que tinha feito no dia anterios, realizar a verificação de todo o sistema de alimentação externa e interna e descarregar os dados da sonda de humidade. Foram também verificados os sistemas fotográficos de R.Sofia e da estação meteorológica. Apenas no último dia de campanha foi possível voltar ao glaciar rochoso onde foi feita a monitorização da deformação do mesmo com DGPS. Fomos acompanhadas por Miguel A. Pablo e Cayetana assim como dois técnicos búlgaros que foram a ajuda preciosa para que conseguissemos realizar os levantamentos de forma célere. Havia menos de metade da neve de há duas semanas. O trabalho foi todo feito sob uma chuva e neve intensas mas ficou concluído. Regressámos à base por volta das 17h e foi a altura de embalar o restante equipamento da campanha e preparar as caixas para regressarem a Portugal com o Hespérides. Domingo, dia 8 de Fevereiro pelas 9:30 chegou à praia Búlgara a zodiac do Hespérides que nos levou de volta ao navio. Alice Ferreira Chegou o dia de partir e deste modo gostaria de agradecer todo o apoio, disponibilidade, colaboração, amizade e alegria que nos proporcionaram os técnicos e dotação da Base Antárctica Búlgara, em especial ao chefe de base Jordan Jordanov. A nossa colaboração tem vindo a acontecer todos os anos desde há 8 e espero que se prolongue por muitos mais. Aproveito também por agradecer à dotação da Base Juan Carlos I e do navio oceanográfico Hespérides que sempre que necessitávamos nos apoiavam e nos proporcionaram os meios logísticos para realizar o nosso projecto científico na Antárctida. Os comentários estão fechados.
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