António Sousa, 3 de Outubro de 2016, NPI, Fram Center, Tromsø, Noruega Um dos poucos ambientes pristinos à face da Terra, o Oceano Ártico, tem enfrentado cada vez mais pressões antropogénicas. As consequências do aquecimento global, acidificação dos oceanos e prospeção de petróleo refletem-se sob os ecossistemas diretamente relacionados com o gelo. Precisamente, uma das principais preocupações acerca do Oceano Ártico tem sido a alteração do regime de gelo, com uma diminuição significativa na sua extensão durante o verão, e alteração de gelo espesso, perene, com vários anos, para um gelo mais fino, com um ano de idade. A expedição Norwegian Young Sea Ice (N-ICE15), que ocorreu a norte de Svaldbard, a bordo do RV Lance, conduzido por gelo à deriva (navio ancorado numa massa de gelo), durante os meses de Janeiro-Junho de 2015, foi motivada exatamente por esta alteração do regime de gelo com o objetivo de estudar as suas consequências físicas e biogeoquímicas – descrição detalhada em http://www.npolar.no/en/projects/n-ice2015.html. Como parte integrante deste ecossistema, as comunidades microbianas fazem a interligação entre a geosfera e biosfera transformando nutrientes indisponíveis, como o C, N, P, para formas químicas passíveis de serem assimiladas por outros organismos. Deste modo, estas comunidades garantem a sustentabilidade de formas mais complexas de vida e da própria biosfera. Portanto, alterações na sua estrutura e diversidade funcional, i.e. genética, irão causar consequências em cadeia, na rede trófica, com consequências para todo o ecossistema. Logo, o seu estudo impõe-se como um ponto fundamental para compreender os efeitos do novo regime de gelo do Oceano Ártico. Com este intuito foram recolhidas amostras de água a 5, 20 ou 50 e 250 m em profundidade, em Março, Abril e Junho, em três locais distintos, durante a expedição N-ICE15, para caracterizar as comunidades microbianas (plâncton procariótico e eucariótico unicelular) tanto a nível taxonômico (SSU rRNA amplicon) como a funcional (metagenoma), contextualizadas ambientalmente por dados físico-químicos recolhidos. Os resultados de identificação taxonómica das sequências do gene 16S rRNA (subunidade pequena – 16S – do ácido ribonucleico ribossomal) revelaram uma maior proporção (abundância relativa) de Bacteria (principalmente dos filos Proteobacteria e Bacteroidetes) do que Archaea (Figura 2) que reflete a maior diversidade genética das bactérias e, por isso, uma maior capacidade de adaptação a variações físico-químicas ambientais. A fração de archaeas – archaeoplâncton – é claramente dominada por um filo – Thaumarchaeota – que é constituído essencialmente por archaeas que oxidam amónia a nitrito (AOA; Figura 2). Estas tendem a migrar da superfície para águas mais profundas, mesopelágicas, durante a transição inverno-primavera (Figura 2). Figura 2. Percentagem de ocorrência dos diferentes OTU’s (Unidades Taxonómicas Operacionais) no plâncton procariótico, em Março e Abril, durante a transição inverno-primavera (gráfico Krona, SILVAngs). Aumento de AOA (Archaeas que Oxidam Amónia) nas camadas superficiais (5 e 50 m) do Oceano Ártico, durante o mês de Março, e migração para águas mesopelágicas, durante o mês de Abril. O género Nitrospina, pertencente ao grupo funcional NOB (Bactérias que Oxidam Nitritos), tende a desaparecer a 250 m. As AOA são fotossensíveis podendo ter migrado para águas mais profundas para se protegerem da luz. No entanto, a camada de neve que cobria o gelo durante o mês de Abril era à volta de 40 cm, dificultando a penetração de luz. Contudo, não se pode excluir a possibilidade de ter existido fraturas no gelo que de alguma forma facilitassem a entrada de luz durante este período. De qualquer forma, a sua co-ocurrência com um género de bactérias, Nitrospina, que oxida nitrito, o subproduto da oxidação da amónia, a nitrato (NOB), em Março, sugere que a nitrificação possa ser ativa durante o inverno (Figura 2). No entanto, estas comunidades nitrificantes são praticamente inexistentes na amostra recolhida durante o mês de Junho (dados não apresentados). Isto pode significar que estas comunidades “aparecem-desaparecem” durante a transição de inverno-primavera. Portanto, o novo regime de gelo do Ártico pode mudar a dinâmica sazonal observada para as AOA devido a uma maior penetração da luz e que tende a ser cada vez mais precoce, com repercussões nos ciclos de N e C.
Neste momento encontro-me no NPI (Fram Center, Tromsø, Noruega; ver Figura 1) onde estou a começar a analisar os dados ambientais (físicos, e.g. temperatura, pressão, e químicos, e.g. amónia, nitrato, fosfato, carbono orgânico dissolvido e.t.c.) que foram recolhidos para contextualizar ambientalmente estas comunidades microbianas e dessa forma percebermos melhor quais são os principais fatores físico-químicos que as estruturam. Ao mesmo tempo estão a ser processados os dados de metagenómica que nos possibilitarão compreender funcionalmente estas comunidades planctónicas do Oceano Ártico, ao nível: celular, metabólico, similaridade funcional (genética) e.t.c.. Em conjunto, estes dados e análises irão ajudar a estudar a composição, as interações interespecíficas e as variáveis ambientais que estruturam estas comunidades microbianas que são fundamentais para identificar mudanças, quer estruturais quer funcionais, durante a transição inverno-primavera. Desta forma, poderemos compreender melhor as consequências ecológicas do novo regime de gelo do Oceano Ártico. Os comentários estão fechados.
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