João Branco Desde a Antártida até Punta Arenas A partir de agora é sempre para Norte. Iniciou-se o regresso. Os próximos cinco dias vão ser em viagem a bordo do Hespérides, desde a ilha King George, até Punta Arenas, no Chile. No dia 27 pelas 7:00h da manhã, a Zodíac do Hespérides aproximou-se da base sul-coreana King Sejong e recolheu-me a mim e ao Gonçalo para nos levar até ao navio que dali sairia em direcção a Punta Arenas na América do Sul. Os habituais cuidados na descida para o semi-rígido, especialmente com a bagagem. Sacos, mochilas, a caixa do eBee, as botas, que neste processo temos que remover para vestir os dry suits - fatos anti-exposição - tudo corre o risco de se molhar com a ondulação, agora agitada, das águas da baía de Maxwell onde nos aguardava o Hespérides. O Pedro Ferreira e o João Mata também se levantaram cedo e vieram despedir-se de nós e… da caixa com 40kg de amostras de rochas que recolheram e que também fizemos descer do cais até à Zodíac para seguirem viagem marítima até Cartagena, em Espanha, e depois, Lisboa via terrestre. No Hespérides revemos caras conhecidas e a hospitalidade a que nos habituaram na anterior viagem, que fizemos desde Yelcho, neste navio da Armada espanhola no qual, além de mim e do Gonçalo, viajam investigadores espanhóis e búlgaros, de regresso das bases, Juan Carlos I e St. Kliment Ohridsky, situadas ambas na ilha Livingston, onde estão agora os colegas do projecto ANTUAV, Lourenço e Ana Salomé. Passaram dez dias desde que chegámos a Barton e neste período efectuámos doze voos com o drone eBee, obtendo imagens aéreas de alta resolução, no espectro visível e na banda de infravermelho próximo, efectuámos o reconhecimento de uma vasta área da península, identificámos processos geomorfológicos e registámos a morfometria de círculos de pedra. Pouco foi o tempo para tudo isto. À medida que nos afastamos fixo a imagem da península de Barton, a minha área de estudo, que visitei agora pela segunda vez. É curioso como um local tão remoto e distante do nosso quotidiano como este, se pode tornar familiar ao ponto de, regressado a Lisboa poder fechar os olhos e ver a imagem que se afasta com o avanço do navio. Vejo nitidamente os edifícios da base e, por detrás, o terreno que se eleva suavemente em colinas até aos planaltos onde se desenham os círculos de pedras, formas periglaciárias abundantes na Península: olhando para a esquerda, mais a norte, o alinhamento do relevo que domina a paisagem de Barton, entre o Noel Hill, e o monte King Sejong cuja vertente se projecta sobre o fjord que forma a Marion Cove; no fundo desta baía o gelo do glaciar Fourcade; para sul, a costa, com a praia e arriba bem delineada, perdendo-se em direcção o Narebsky Point, o promontório formado por relevo resistente, onde na rechã que se eleva sobre o mar quase ouço o bulício das colónias de pinguins Gentoos e de barbicha, que nidificam nesta área de protecção especial. É uma Geografia impressa na memória! A seguir, o Drake. Atravessar a Passagem do Drake é uma emoção forte pelas ondas que frequentemente varrem este mar, e podem chegar aos doze metros, e pelas histórias, normalmente reservadas aos navegadores que tornaram o mar austral um dos mais temidos, pela força da natureza. Navegava-se bem, inclinando-se o Hespérides docilmente ao ritmo da ondulação que chegava ao casco por barlavento, acompanhados pelo ruído do motor que mantém as rotações dias a fio, até à próxima escala. O valor máximo que o inclinómetro da ponte de comando registou foi de, 25°, numa escala máxima de 45°. Ainda assim alguns dos passageiros a bordo, só começaram a abandonar os camarotes e a frequentar as áreas comuns ao terceiro dia. Até aí o enjoo foi a sua companhia. No dia 28, depois do jantar houve um briefing conduzido pelo comandante do Hespérides e por um oficial de marinha. A rota prevista fazia-nos entrar no canal Beagle onde teríamos que embarcar dois pilotos chilenos para guiarem a navegação nos canais. Como íamos adiantados para o rendez-vous o comandante deu-nos um brinde: informou-nos que passaríamos no Cabo Horn, de Oeste para Este, do Pacífico para o Atlântico, após o que tomaríamos o rumo para a entrada nos canais que nos levariam ao Beagle. Foi-nos explicada a rota: navegaríamos pelo Beagle, canal com cerca de 240km de comprimento e que no local mais estreito tem 4.500m de largura, entre ilhas, montanhas e glaciares, seguindo depois pelo braço setentrional deste canal, na direcção do Pacífico, onde, voltando para norte, entraríamos no Estreito de Magalhães até Punta Arenas. Passámos o Horn, ainda com luz do sol, próximo das 10h da noite; local de muitos naufrágios, e de marinheiros arrojados que contrariam a fama da ponta meridional do continente sul-americano. Muitas visitas à ponte de comando para a obrigatória fotografia. Na manhã do dia 29 acordámos, já no canal Beagle. Do lado direito, a Norte, a llha Terra do Fogo, do lado esquerdo, a sul, Ilha Navarino. Porto Williams, chilena e Ushuaia, argentina, são as duas cidades nas margens opostas do canal, que disputam a reputação de cidades mais austrais do mundo. Hora estimada de entrada na “Avenida dos Glaciares”: 5:30h do dia seguinte. Dormir um pouco, despertador para acordar, e... vista privilegiada da ponte de comando sobre a sucessão de montanhas, florestas, glaciares e vales suspensos. Charles Darwin na sua viagem a bordo do navio de Sua Majestade Britânica, Beagle, regista a 29 de Janeiro de 1832, a seguinte entrada no seu diário de viagem: “...a paisagem torna-se ainda mais imponente que antes [...] um manto de neves eternas de brancura deslumbrantes cobre os topos destas montanhas e numerosas cascatas, que serpenteiam brilhantes através dos bosques vêm desaguar no canal. Em muitos pontos, magníficos glaciares estendem-se ao longo da aba das montanhas e chegam até própria beira da água. É difícil imaginar alguma coisa mais bela que a admirável cor azul destes glaciares...”.
Nestes 184 anos que nos separam da paisagem descrita por Darwin, os adjectivos mantêm-se e acresce o facto de hoje em dia termos também consciência da importância destas massas de gelo como indicadores das alterações climáticas. Entretanto a bordo, aproveitei para elaborar as indicações para enviar para a base sul-coreana sobre a colocação dos sensores que... estão debaixo da neve em Barton. Coordenadas GPS, fotografias, descrição dos locais, esquema de instalação, todas as indicações que possam ajudar a encontrar os dispositivos e recuperar os dados da temperatura do solo. No dia 31 chegámos a Punta Arenas e preparámo-nos para a etapa final da viagem: avião para Santiago do Chile, novo voo até Madrid e, depois, Lisboa. Ficou longe a Antárctida, parecendo que ainda ontem partimos de Lisboa no início da campanha. Foi um mês com pouco tempo de paragem nos locais onde estivemos e desenvolvemos trabalho: Palmer, Yelcho, Deception, Barton, tudo isto só possível através da cooperação internacional, no espírito do Tratado Antárctico, e das colaborações entre cientistas que vão unindo esforços e abrindo portas entre os vários programas científicos polares.
zaida
18/2/2016 13:04:33
li e reli, e gostei , bem como das fotos. Os comentários estão fechados.
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