A base antártica chinesa na ilha do Rei Jorge destaca-se à distância na paisagem coberta de neve. O complexo tem vários edifícios de cores diferentes. Um deles só tem laboratórios. Mas por fora, o que dá mais nas vistas é um grande edifício azul com caracteres vermelhos e a respetiva tradução em inglês: estação da "Grande Muralha". Lá dentro, além da cozinha e sala de refeições, há um campo de jogos para badminton e basquetebol. O interior ainda está decorado para a comemoração do Ano Novo chinês que ocorreu a 19 de fevereiro.
Queremos ver a estufa onde os chineses estão a começar a cultivar hortícolas, como alfaces e pepinos, tão raros à mesa nas bases na Antártida onde se come sobretudo comida congelada ou enlatada. O engenheiro responsável explica que é um grande investimento, que o sistema usado é hidropónico e que a água recircula já com todos os nutrientes necessários ao crescimento das plantas. A estufa, ainda em fase de acabamentos, funcionará não apenas para produzir produtos para autoconsumo, mas também como laboratório em que irão testar as melhores técnicas de cultivo em condições controladas. Nesta altura do ano, a base chinesa já está com pouco movimento. Os investigadores partiram no dia anterior de regresso à China, depois de alguns meses de atividade científica nesta região. Noutras bases, contudo, há investigadores que ficam o ano inteiro. É o caso de uma investigadora sul coreana, a única mulher na base "King Sejong" (sem contar com a chefe) que está na península Barton para fazer um estudo sobre a saúde psicológica de quem aqui passa não apenas o verão mas também o rigoroso inverno austral. Nestas paragens o estado do tempo pode trazer frustração, mesmo para quem vem por poucos dias. A equipa de Beny Schmidt, médico e investigador da Escola Paulista de Medicina, sentiu esse desânimo. Não puderam ir a terra devido a condições meteorológicas adversas e ficaram retidos no navio da Marinha brasileira que os transportou da ilha do Rei Jorge até à ilha Pinguim. O patologista neuromuscular aborda-me frente ao avião da Força Aérea do Brasil que há-de levar-nos de regresso a Punta Arenas. "Sou filho do pai do teste do pezinho". Verdade? O seu pai foi muito importante! E você, que faz por cá? Beny conta que a intenção era recolher amostras de sangue e fazer biópsias musculares do pinguim-de-barbicha (Pygiscelis antarctica) para estudar o metabolismo destas aves, que suportam temperaturas dos -45°C aos 30°C, e encontrar uma terapia para a hipotermia e hipertermia malignas nas pessoas. O objetivo, diz Schmidt, é "salvar vidas humanas". No grupo está um português nascido no Brasil, que viveu um Portugal até 2010 quando, devido à crise portuguesa, resolveu ir viver para o Rio de Janeiro. Roberto Araújo ia sequenciar o DNA mitocondrial do pinguim, mas sem amostras de sangue nada feito. O pior é que já é a segunda vez que a equipa vem sem conseguir alcançar o objetivo. Agora esperam poder regressar no final do ano, quando for novamente verão, para mais uma tentativa. O avião descola e quase nem sinto. É difícil manter a conversa devido ao ruído. Coloco os tampões nos ouvidos. Os meus companheiros de voo ajeitam-se para dormir nos bancos de lona. Não tenho sono e fico a observá-los. Ponho-me a pensar como lidaria com a frustração, se o mau tempo nos tivesse impedido de realizar o nosso trabalho de reportagem? 27 de fevereiro Carla Castelo e Filipe Ferreira Os comentários estão fechados.
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