DIÁRIOS DE CAMPANHA
|
Entre ontem e hoje estivemos a arrumar e a fazer o inventário de todo os materiais e reagentes que transportamos ou que deixamos armazenados em Great Wall. Muitos destes materiais poderão ser utilizados em futuras campanhas. O transporte de equipamentos para a Antarctica é complicado e assim sabemos exactamente o que pode fazer falta e o que fica. É importante deixar registado não só as quantidades e o estado de conservação mas também onde ficam arrumados, pois juntamente com as nossas coisas existem centenas de outras caixas na cave da base, e muitas serão ainda realojadas ou reacondicinadas depois do fecho da época.
Entretanto fomos convidados para apresentar a nossa investigação na base chilena Escudero, que organiza sessões de seminários todas as quintas-feiras. Outras palestras descrevem o impacto dos humanos nas colonias de petréis gigantes, avaliados por investigadores alemães alojados na base russa Bellingshausen ou os projectos acerca dos ecossistemas nas altas latitudes desenvolvidos pelas universidades chilenas. Também em Great Wall devemos dar um seminário, este com tradução simultânea do inglês ao chinês. Falamos sobre o que fazemos mas também das particularidades dos peixes Antárcticos, mas não sabemos o que realmente foi transmitido. Foi também altura para agradecer a todos os membros da 33ª Chinese Antarctic Research Expedition a ajuda que nos deram para realizarmos as experiencias, a hospitalidade e a alimentação de 1ª classe do Chef. E deixamos ao chefe, Chen Bo, os cumprimentos do Propolar. À noite temos o jantar de despedida. Um rancho melhorado em nossa honra regado com vinho do Porto que haviamos trazido. Gambé!!!
0 Comentários
Há 3 dias atrás começamos as amostragens finais, após feitas as injeções com um estimulante do sistema imunitário e exposição ao aumento de temperatura. Estes 4 dias foram bem trabalhosos e exigentes devido ao número de peixes em que tivemos de recolher amostras e o tempo reduzido. Alguns imprevistos obrigaram-nos a atrasar o início dos trabalhos e acumulámos muitas coisas, mas as experiências correram bem e conseguimos obter as amostras desejadas e planeadas. Hoje terminámos e agora fica a faltar colocar as amostras no navio oceanográfico espanhol “Hesperides” que as levará até Cartagena onde depois as iremos buscar até Portugal. Dias a amostrar e noites a rotular tubos para as amostras do dia seguinte. E algum exercicio de pesos entre o contentor no cais e o edifico dos labotórios, na outra ponta da base. Recolhemos amostras de sangue e tecidos que temos de colocar e transportar em gelo, o que não deveria ser um problema na Antarctica. Mas este ano o verão foi quente e quase não nevou, e em todo o perímetro da base apenas restam alguns pequenos aglomerados de gelo que podemos utilizar para as amostragens.
Depois da longa fase de preparação da campanha, particularmente complicada em termos logísticos, pois os dois locais em que realizaremos os trabalhos são bastante remotos, zarpamos hoje de Punta Arenas, no sul do Chile, em direção ao arquipélago das Shetlands do Sul e à Antártida. Embarcámos ontem à noite no navio espanhol Hespérides e vai ser aqui que vamos passar as próximas duas semanas, quase sempre em trânsito e com, pelo menos duas saídas a terra, às nossas áreas de estudo, próximo da base norte-americana de Palmer e em Cierva Cove na Península Antártica. Aí, iremos proceder à manutenção de várias perfurações em que medimos as temperaturas do solo e de estações meteorológicas automáticas. Durante a campanha, colocaremos posts em que explicaremos em mais detalhe os trabalhos que formos realizando. Antes de sair de Lisboa, reunimos várias vezes, quer no IPMA, quer no IGOT, para preparar os trabalhos, discutir a aquisição de instrumentação e, já na semana antes de partir, para calibrar os sensores térmicos que vamos instalar nas perfurações de Palmer e de Cierva Cove. Para isso, preparámos um banho de gelo e água destilados, que fazem com que a temperatura da mistura permaneça a 0 ºC, o que possibilita calibrar as cadeias termométricas que assim ficarão mais precisas. As duas cadeias encontram-se ligadas a um registador automático que mede temperaturas com intervalos horários e que ficarão instalados na Antártida em furos. As temperaturas serão medidas a diferentes profundidades e a cada hora, substituindo os sistemas que anteriormente tinhamos instalado. A vantagem dos novos sistemas de registo são a sua robustez, maior precisão, maior durabilidade da bateria e memória, bem como a facilidade de realizar o download dos dados. Serão sistemas autónomos, mas por enquanto, ainda é necessário visitar o local para obter os dados. O projeto PERMANTAR é um projeto de longo prazo que se baseia na monitorização do solo permanentemente gelado da região da Península Antártica, bem como de diferentes parâmetros ambientais, para compreender a dinâmica das áreas sem glaciares da região. As campanhas na Antártida são geralmente complexas, envolvendo várias equipas no terreno, que fazem observações, mantêm instrumentação e recolhem amostras ao longo de um transecto latitudinal de cerca de 400 km desde a ilha Dundee até ao arquipélago de Palmer. O projeto faz parte das redes internacionais Thermal State of Permafrost (TSP) e Circumpolar Active Layer Monitoring (CALM) da International Permafrost Association e Global Terrestrial Observing System, contribuindo com dados para a Global Terrestrial Network on Permafrost (GTN-P). O projeto está também enquadrado nas atividades do Expert Group on Permafrost, Soils and Periglacial Environments do SCAR. É um projeto financiado pela FCT, coordenado pelo CEG/IGOT – Universidade de Lisboa e que conta, pela primeira vez, com a participação do IPMA que colabora na manutenção da rede de estações instaladas na Península Antártica. O projeto PERMANTAR integra ainda equipas da Universidade de Évora, Universidades de Alcalá e Oviedo (Espanha), Universidade Federal de Viçosa (Brasil), Universidade de Buenos Aires (Argentina) e Universidade de Sofia (Bulgária). A rede de observatórios PERMANTAR é uma das mais importantes da Antártida, quer pela sua extensão geográfica, quer pela profundidade das sondagens que estão a ser atualmente monitorizadas.
A campanha de 2016-17 terá atividades nas ilhas Deception, Livingston, arquipélago de Palmer e Cierva Cove, centrando-se os diários de campanha nas duas últimas, pois os dois locais inicialmente referido serão mantidos por colegas envolvidos nos projetos CHRNOBYERS e PERMASNOW. A preparação da presente campanha iniciou-se em Março de 2016, com o envolvimento do IPMA e do meteorologista João Ferreira que vem agora à Antártida para apoiar na manutenção do equipamento observacional e para tomar um primeiro contacto com o terreno, de modo a melhor avaliar as necessidades instrumentais para o futuro. Da parte do CEG/IGOT, venho eu, Gonçalo Vieira, que sou coordenador do projeto e realizo a minha 10ª missão na Antártida. Neste diário de campanha iremos colocando informações de natureza científica, mas também pessoais sobre o decorrer da campanha, que se inicia a 8 de Fevereiro e termina a 23 de Fevereiro, com o apoio logístico dos programas espanhol (navio oceanográfico Hespérides) e sul-coreano (voo de regresso Antártida-Punta Arenas). Pela primeira vez vi focas de Weddel, elefantes e leões marinhos aqui na Antártida. Fomos dar um passeio à praia juntamente com a Sandra Heleno e o Pedro Ferreira, portugueses que ficaram na base chilena, e que com o Pedro Pina, vão embora já amanhã. Os elefantes marinhos parecem amistosos, mas quase não se importam com a nossa presença, enquanto que os leões marinhos são mais agressivos e até podem correr atrás de nós se acharem que estamos no seu espaço. Apesar de parecerem uns queridos, os elefantes marinhos têm um senão - o odor! Estes animais podem estar a mais de 500 metros do mar, onde chegam arrastando a sua meia tonelada pelo solo. E o esforço de voltar ao mar só para fazer a higiene parece demasiado. No entanto é impressionante ver estes animais no seu habitat natural!!
Na baía de Ardley, onde se situa a base chilena “Escudero“, que nos acolheu, encontramos também a base russa ”Bellingshausen”. Um pouco afastada desta, num cume, vislumbra-se a encantadora igreja ortodoxa russa da Antártida. Foi construída em 2002 na Rússia, com madeiras de pinho e cedro siberianos, para no ano seguinte ser desmontada e transportada por terra até ao porto de Kaliningrado, e depois por mar até este local. A reconstrução na Antártida levou cerca de dois anos. A igrejinha de madeira está ligada a uma espessa camada de lavas vulcânicas por estruturas de aço que a estabilizam e permitem que resista às tempestades e ventos fortes que aqui se fazem sentir. Foi entretanto também construída uma réplica na cidade de Valday, na Rússia, para que mais pessoas a possam conhecer. Aqui, é uma experiência muito forte visitá-la: um belíssimo exemplo do que é capaz o espírito humano! Dia de serviço à Base, no momento com 40 ocupantes. Dia dedicado à limpeza dos espaços comuns como sala de estar, WC’s, corredores, cozinha. Inclui também a preparação das refeições, servir às mesas, lavar toda a loiça usada e deixar a cozinha limpa para a próxima refeição. Fizeram-nos vários pedidos para cozinharmos comida Portuguesa mas não havia o elemento base da nossa gastronomia, o bacalhau, por isso decidimo-nos por um postre (sobremesa). Lembramos de preparar um pastel de nata. É fácil de fazer e tem ingredientes que podemos encontrar em qualquer cozinha (38 ovos, 2 kg de massa folhada, 1 l de leite e 1 l de natas, 800 g de açúcar e 8 colheres de farinha). A reação foi muito boa e podemos dizer que foi um sucesso, o nosso Pastel de Nata “Antártico”. Foi uma jornada de trabalho longa que começou às 7h00 de manhã e terminou bem depois da meia-noite. Dia 29 arrumamos tudo e saímos da base um dia mais cedo.
O trabalho de campo continua, a maior parte das vezes, na companhia do Pedro Pina e Sandra Heleno que constituem a equipa do Projecto CIRCLAR. A área de estudo preferencial continua a ser a Meseta Norte, que é uma estrutura topográfica bem destacada da morfologia envolvente, apresentando um bordo com uma altitude média de 110m (60m acima das cotas circundantes) (foto 1). Do topo da Meseta as vistas são extensas e belas (foto 2- vista Sul, a partir do topo da Meseta Norte, observando-se muito ao longe os edifícios Chilenos da Península de Fildes (Base Científica, onde nos encontramos, Base da Marinha, Base da Força Aérea e as casas da Vila de las Estrellas), se a visibilidade o permitir (foto 3).
Na baía Collins (onde se encontra a base Uruguaia), no seu bordo Sul, as lavas vulcânicas encontram-se fortemente fracturadas (fracturação predominantemente sub-horizontal), estando essas fracturas preenchidas por material silicioso, sob a forma de jaspe vermelho e verde (foto 10). Na foto 11, é possível observar-se a elevada densidade das fracturas preenchidas. A conjugação da intensa fracturação com a disjunção colunar destas lavas origina uma rede de fracturação tridimensional (foto 12), que com o tempo e a progressão da alteração acabam por formar blocos esféricos (disjunção esferoidal).
Termino com duas observações, de cariz biológico, realizadas no caminho de regresso à nossa casa (temporária) Chilena: a primeira, a observação da minha primeira medusa Antárctica (foto 13), que desconhecia que pudesse habitar em águas tão frias e, a segunda, um afloramento parcialmente coberto pelo líquen Usnea (o líquen ubíquo aqui, na Península de Fildes) (foto 14); esta distribuição assimétrica deve-se ao regime de ventos desta região, que sopra preponderantemente de Norte, pelo que os líquenes só se desenvolvem na face Sul da rocha, a face menos exposta aos ventos. É o ser animal com quem mais interagimos. Existem por todos os cantos da ilha, junto ao litoral, no topo das maiores elevações, à porta das bases científicas… É curiosa e afável, e enquanto estamos a trabalhar no topo da Meseta Norte, onde as há em abundância, aproximam-se bem perto e ali ficam a observar o que fazemos! Se nos demoramos um pouco mais, até sobem o “seu trem de aterragem” e ali ficam, calmamente (foto 1, mas com o trem de aterragem levantado! Mas com crias ou ovos no ninho é melhor ficar ao largo… Ao aproximarmo-nos de um ninho, começa-se por ouvir um piar que onomatopeicamente corresponde a um ah-ah-ah!, logo depois associado a uma sucessão de acções que começa com uma descolagem rápida, um voo com uma rota decidida e directa (foto 2), sem escalas, em direcção a nós, os infractores do seu espaço, terminando com uma aproximação frenética às 12 horas, que traduzido de outro modo, significa que vêm direitinhas às nossas faces. No entanto, mesmo em cima do “objecto” sob ataque, nós, mudam repentinamente a sua direcção de voo, afastando-se…(foto 3) para depois voltar à carga (e sempre com o ah-ah-ah bem claro, bem acima das três-oitavas).
|
DIÁRIOS DA CAMPANHA
|