Pedro Freitas, Paulatuk, Northwest Territories – Canadá, 28 de Julho de 2019 No seguimento da campanha Nunataryuk 2019 nos Territórios do Noroeste, Alto Ártico Canadiano, três elementos da equipa portuguesa (Gonçalo Vieira, Pedro Pina e Pedro Freitas) deslocaram-se de Tuktoyaktuk, onde a maioria dos trabalhos foram desenvolvidos até então, para Paulatuk numa pequena avioneta fretada à Aklak Air no dia 24 de Julho de 2019 (fig. 1). Paulatuk é uma aldeia bastante remota não sendo possível o seu acesso sem ser de avião ou barco, situada numa pequena Península na costa do Golfo de Amundsen, possuindo cerca de 300 habitantes. À equipa portuguesa juntaram-se ainda Dustin Whalen do Natural Resources Canada e Weronika Murray uma foto jornalista baseada no Oeste do Canadá, nesta campanha focada na documentação e interpretação da ligação entre investigadores científicos e comunidades locais. O voo ocorreu sobre condições meteorológicas fantásticas, permitindo a interpretação das formas de relevo e hidrologia à superfície. De Tuktoyaktuk a Paulatuk pôde observar-se grandes mudanças na paisagem, de planícies aluviais fortemente dissecadas por cursos de água, lagos e lagoas a planaltos caracterizados pela presença de vales e cicatrizes de erosão expondo sedimentos de tipo arenoso, com menor concentração de matéria orgânica e consequentemente carbono (fig. 2). O principal objetivo da campanha em Paulatuk consistiu no levantamento da aldeia e do aeródromo recorrendo a um drone SenseFly eBee Classic de asas fixas com câmara ótica. No turno da manhã do dia 25 de Julho de 2019 realizaram-se os primeiros voos com o drone na parte central da Península, referindo-se à área residencial e industrial da aldeia. As condições meteorológicas caracterizadas por ventos vindos de Noroeste potenciados pela diferença de temperatura entre oceano e continente, não permitiram a realização de voos no turno da tarde. Mediante uma única tentativa de lançamento do drone registou-se 11 metros por segundo de velocidade do vento, a 110 metros de altitude, procedendo-se à sua aterragem como medida de segurança. No dia 26 de Julho de 2019, após nova tentativa, o forte vento registado impossibilitou novamente a realização de voos com o drone, pelo que durante esse dia procedeu-se à recolha de Ground Control Points (GCP) com GPS Diferencial de alta precisão ao longo de toda a aldeia. A recolha destes GCP revela-se essencial por forma a corrigir fotogrametricamente o modelo aquando do seu processamento, assegurando qualidade na georreferenciação nos eixos de coordenadas X, Y e Z. No total foram obtidos cerca de 50 GCP, relativos a objetos estáticos localizados no solo, facilmente identificáveis nas fotografias aéreas. Após dois dias com períodos de vento de elevada intensidade, finalmente as condições meteorológicas verificadas no dia 27 de Julho de 2019 permitiram o levantamento com drone da restante parte da Península referindo-se à área mais a Norte onde se encontra localizado o aeródromo. As tarefas do turno da manhã foram divididas por duas equipas, sendo uma constituída por Gonçalo Vieira e Pedro Pina, ficando responsáveis pela realização dos planos de voo com o drone para captação de fotografias aéreas, e outra constituída por Pedro Freitas e Dustin Whalen, ficando responsáveis pelo levantamento de GCP. Para o levantamento dos GCP ao nível da tundra e ao nível da praia, utilizou-se como modo de transporte uma moto 4 permitindo flexibilidade e rapidez na sua obtenção (fig. 3) Estes pequenos veículos são o modo de transporte mais utilizado pelos habitantes de Paulatuk durante o verão, não só dentro da aldeia, onde não existem quaisquer estradas alcatroadas, mas também para alcançarem áreas mais distantes à aldeia no que toca a outros propósitos essencialmente relacionados com a pesca e a caça, mas também recreativos, onde por entre as montanhas, do litoral ao interior, ramificam pequenos trilhos espontâneos e orgânicos numa rede mais ou menos densa, originada pela passagem sucessiva exclusiva desses pequenos veículos ao longo de muitos anos. Alguns trilhos são até mesmo considerados ancestrais, existindo desde a altura em que não era possível tirar proveito destes veículos para locomoção na aldeia e respetivas redondezas. Atualmente pode observar-se, embora que apenas em alguns setores, trilhos propositadamente melhorados para a passagem destes e outros veículos de maior porte, com a colocação e assentamento de grandes quantidades de gravilha. A determinada altura estes pequenos veículos passaram a ser utilizados pela equipa no terreno, por forma a deslocar-se a algumas áreas de estudo de particular interesse, embora que de difícil acesso, localizadas a Este e Oeste de Paulatuk tendo sido propostas pela comunidade local e em particular pela Hunters and Trappers Commission, entidade que regula toda a atividade científica que se faz na região (fig. 4). Terminado o período da manhã, seguiu-se uma reunião com o vice-presidente da aldeia, bem como com representantes da Hunters and Trappers Commission para apresentação de alguns resultados e demonstração da importância dos materiais e métodos científicos utilizados na campanha no que toca ao apoio à gestão e planeamento das atividades desenvolvidas pela comunidade dentro e fora da aldeia. A partir do turno da tarde do dia 27 de Julho de 2019 a campanha científica assumiu uma abordagem mais baseada nos conhecimentos tradicionais da comunidade. Um ancião e alguns membros mais novos guiaram-nos ao longo da costa em direção ao Oeste por forma a nos falarem sobre algumas mudanças relacionadas com as alterações climáticas observadas em alguns locais. Durante o percurso que acabou por terminar em Argo Bay (69°22'02.8"N 124°29'30.1"W), um hotspot importantíssimo ao nível da pesca e caça para a comunidade, foram relatadas mudanças não só ao nível da erosão costeira, mas também ao nível de alterações geomorfológicas na paisagem, bem como perturbações nos ecossistemas terrestres e marinhos, com o aparecimento de novas espécies e desaparecimento de outras. Na chegada à Argo Bay procedeu-se à distribuição de marcas no terreno para levantamento de GCP com o GPS Diferencial, realizando-se posteriormente um plano de voo com o drone. Durante esta tarefa os membros da comunidade demonstraram estar bastante interessados nos materiais utilizados para a recolha de dados, o que permitiu a partilha de conhecimento e a interação entre os mesmos e os investigadores, estes últimos continuadamente explicando a funcionalidade dos equipamentos, formas de utilização e mostrando resultados, como por exemplo através das fotografias aéreas capturadas no momento (fig. 5). Aquando da realização do trilho em direção a Argo Bay, pôde observar-se, apesar da predominância de material essencialmente arenoso, a exposição de depósitos de matéria orgânica em alguns setores localizados no fundo de alguns vales mais abertos (fig. 6). No dia 28 de Julho de 2019, último dia da campanha em Paulatuk, durante o turno da manhã a equipa deslocou-se ao delta do Rio Hornaday (69°18'19.0"N 123°46'16.0"W), onde realizou alguns vídeos 4K utilizando um drone Phantom 4 multi-rotor ao longo das vertentes nas margens do curso de água principal que espelhavam forte erosão e movimentos de vertente por colapso bastante dinâmicos, tendo sido possível observar alguns em tempo real. Em alguns setores a erosão ocorre de forma tão rápida que alguns trilhos, em tempos utilizados pela comunidade, têm desaparecido (fig. 7). O turno da tarde do dia 28 consistiu no levantamento do Billy’s Creek, uma área costeira com uma laguna presente num vale bastante aberto, onde a erosão costeira tem ocorrido de forma bastante acentuada nas costas altas viradas ao Ártico (fig. 8). Por fim, a última tarefa do dia consistiu no levantamento de um pequeno deslizamento rotacional por fusão associada à fusão de gelo maciço presente no solo de origem recente (fig. 9). O levantamento de uma área mais ampla com o drone permitiu contextualizar esse deslizamento numa área mais ampla, percebendo-se que a mesma seria uma evidência da policiclicidade associada a uma grande deslizamento rotacional por fusão de origem mais antiga.
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Pedro Pina, Tuktoyaktuk, Northwest Territories – Canadá, 23 de Julho de 2019 Depois de uma viagem de carro de 150 km desde Inuvik até à costa norte canadiana em Tuktoyaktuk, a que abreviada e vantajosamente falando nos referimos como Tuk, instalamo-nos os quatro (eu, Gonçalo Vieira, Pedro Freitas e Daniel Pinheiro) numa das casas alugadas pelos Natural Resources Canada com quem estamos a colaborar nesta campanha. Permitiu-nos rever ou conhecer novos colegas, bem como saber os seus interesses de investigação e áreas de trabalho. Os levantamentos com drone nesta primeira estadia aqui em Tuk foram feitos com o ebee clássico, que conseguimos adquirir em 2014 no âmbito da campanha de crowdfunding 3D Antártida (link: https://www.facebook.com/3dantartida/) e que continua ainda a dar muito boa conta de si. O outro drone que também trouxemos (ebee plus) teve uma avaria e ficou a reparar em Edmonton, esperando que ainda o consigamos utilizar nesta campanha, pois consegue identificar com precisão a localização das fotos que tira sem necessitar de ter pontos de controlo no solo (designa-se esta técnica por rtk) e também de fazer voos de maior duração. O ebee clássico precisa mesmo desses pontos de controlo, obrigando-nos a colocar marcas no solo que serão sobrevoadas pelo drone e cujas localizações são medidas com GPS diferencial. Os vários voos efectuados permitiram-nos cobrir a região mais a sul de Tuk e completar os levantamentos que tínhamos feito no verão de 2018 somente na área urbana. As áreas sobrevoadas desta vez são sobretudo áreas industriais na periferia sul de Tuk. Antes da abertura da estrada desde Inuvik em finais de 2017, estas áreas ficavam nos seus confins, pois o acesso era somente efectuado mais a norte por barco ou por avião. Agora são o primeiro contacto para quem entra em Tuk por estrada, sobretudo auto-caravanas e motas, mas também bicicletas! São, no entanto, poucas, mas há mesmo quem venha a pedalar, sabe-se lá de onde, até ao oceano Ártico. Como os vários sítios em que nos fomos instalando ao longo dos dias para voar o drone ficavam relativamente perto da estrada, e também porque o relevo aqui é praticamente todo plano, verificámos que o movimento motorizado, em relação ao ano passado, aumentou bastante. Estes primeiros dias de trabalho foram intensos e sobretudo extensos. Os dias aqui perto dos 70º de latitude, nesta altura do ano, não têm praticamente noite, ou seja, as 24 horas de luz permitem-nos ficar na rua bastante mais tempo do que se estivéssemos por exemplo em Portugal. No entanto, não abusamos totalmente dessa oferta luminosa, pois o sol ao baixar no horizonte ao longo do dia começa a criar sombras cada vez maiores. Como não nos interessa nada que elas possam mascarar zonas de interesse nas imagens, acabamos por ter de parar. E obviamente porque também precisamos de ir recarregar as nossas baterias.
Foi um bom início de campanha, na maioria dos dias com vento aceitável para voar o drone, com muitos novos dados. Mas as nossas expectativas estão a aumentar, pois iremos em seguida de avião até Paulatuk, uma aldeia costeira situada a cerca de 400 km a Este de Tuk, para nos próximos dias continuarmos as nossas actividades voadoras. 24 Julho de 2019, O rápido aquecimento do Ártico está a causar drásticas mudanças na criosfera e nos ecossistemas, com um dos impactes mais importante a ocorrer nos ambientes com solo permanentemente gelado ou permafrost. Estes, ocupam cerca de 20% da superfície continental do Hemisfério Norte e são especialmente importantes para o clima global, principalmente devido à elevada concentração de matéria orgânica que existe no permafrost. Com o aquecimento e com a fusão do permafrost, essa matéria orgânica fica exposta à decomposição por parte de microrganismos, que como consequência do seu metabolismo vão causar a libertação de gases de efeito de estufa, como o dióxido de carbono e o metano. Gera-se assim uma retroação positiva com grandes impactes para o sistema climático global; ou seja, uma maior temperatura, gera maior fusão do permafrost e, consequentemente, maior libertação de gases de efeito de estufa. Mas a degradação do permafrost causa também outros impactes, como são os casos de mudanças na hidrologia, geomorfologia e vegetação, que resultam em mudanças nos ecossistemas. Nas áreas construídas, há ainda enormes problemas com a estabilidade dos terrenos, afetando severamente diversos tipos de infraestruturas.
O projeto NUNATARYUK (http://www.nunataryuk) dedica-se ao estudo das mudanças nos ambientes com permafrost no litoral do Ártico e, em particular, com a quantificação dos fluxos de carbono do permafrost terrestre para o ambiente marinho e atmosfera. Inclui ainda equipas que estudam os impactes socioeconómicos, nas infraestruturas, bem como nos modelos climáticos. A equipa NUNATARYUK da Universidade de Lisboa, é coordenada pelo CEG/IGOT e inclui investigadores do CERENA/IST e do CQE/IST. A contribuição no quadro do NUNATARYUK incide na monitorização da dinâmica da linha de costa, em particular, no Mar de Beaufort, com recurso a técnicas de campo e de deteção remota, colaborando também na componente da biogeoquímica do permafrost, em particular no que respeita ao carbono e ao mercúrio. No verão de 2019 há quatro investigadores da ULISBOA no terreno: Gonçalo Vieira e Pedro Freitas (IGOT) e Pedro Pina e Daniel Pinheiro (IST). Os trabalhos de campo incidem sobre a região litoral das vilas de Tuktoyaktuk e Paulatuk nos Territórios do Noroeste (Canadá), duas áreas em que o trabalho é realizado em colaboração com a Natural Resources Canada (Canada Geological Survey). O objetivo é realizar levantamentos de terreno de ambas as povoações e áreas envolventes, produzindo modelos digitais de superfície e ortofotomapas, que permitirão gerar cartografia de risco de erosão e de inundação. Para isso, utilizaremos veículos autónomos não tripulados (drones), sistemas D-GPS bem, como observações de terreno. O trabalho é também feito em colaboração com os dois municípios locais, envolvendo várias reuniões de trabalho conjuntas. Daniel Pinheiro, estudante de mestrado em Engenharia do Ambiente no IST, orientado por Gonçalo Vieira (IGOT), João Canário (IST) e Dustin Whalen (NRCAN), irá realizar a sua tese sobre a temática da presente campanha, em Tuktoyaktuk. Pedro Freitas, candidato a doutoramento no IGOT, encontra-se no terreno, desde 10 de junho, a colaborar com Dustin Whalen em levantamentos de erosão costeira. |
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